Nos primeiros dias foi bonzinho, quem não gosta de uma cabeça de homem no travesseiro? Logo começou a beber, não me valia em nada no sítio. Eu saía bem cedo com o menino a lidar na roça, o bichão ficava dormindo. Bocejando de chinelo e desfrutando as regalias, não quer castigar o corpinho, não joga um punhado de milho para as galinhas. Só então, sargento, burra de mim, descobri o mistério: ele voltou por amor da herança. Na primeira semana vendeu o leitão mais gordo do chiqueiro, não me deu satisfação, o sargento viu algum dinheiro? Nem eu.
Ontem chegou bêbado e de óculos escuro, espantou o menino para o terreiro e, fechados no quarto, bradou que eu tinha um amante, o meu afilhado bem que era filho e, antes de contar até três, eu dissesse o nome do pai. Por mais que, de joelho e mão posta, negasse que havia outro homem, por mim o testemunho dos vizinhos, ele me cobriu de palavrão, murro, pontapé. Pegou da espingarda, me bateu com a coronha na cabeça. Obrigou a rezar na hora da morte e pedir louvado. Que eu abrisse a boca, encostou o cano, fez que apertava o gatilho. Não satisfeito, sacou da garrucha, apagou o lampião a bala. Disparou dois tiros na minha direção, só não acertou porque me desviei. Uma bala se enterrou na porta, a outra furou a cortina, em três pedaços a cabeça do São Jorge.
Cansado de reinar, deitou-se vestido e de sapato, que a escrava servisse a janta na cama. Provou uma garfada e atirou o prato, manchando de feijão toda a parede: “Quero outra, esta não prestou”. Deus me acudiu, ao voltar com a bandeja ele roncava espumando pelo dente de ouro. Agarrei meu filho, chorando e rezando corri a noite inteira, ficasse lá no sítio era dona morta. E agora, sargento, que vai ser da minha vida, que é que eu faço?
Dalton Trevisan. "Vozes do retrato"
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