Temos de permanecer encerrados naquele cilindro, sem nos movermos, durante intermináveis 20 minutos, enquanto nos torturam com uma suave musiquinha enfadonha, intercalada por fortes rajadas de metralhadora.
Perguntei a alguns amigos o que fizeram, durante tal eternidade, para não soçobrarem ao terror. “Eu cantei”, disse-me a mãe dos meus filhos mais velhos: “Escolhi cinco temas do Gilberto Gil, e cantei-os como se estivesse numa festa de família!”. Sorte a do cilindro, porque ela canta muito bem.
Um outro amigo, matemático, disse-me que tentou comprovar a veracidade da Conjuntura de Collatz, um quebra-cabeças aparentemente simples, mas insondável. Uma piada muito popular (entre matemáticos) durante os anos da Guerra Fria, assegurava que a Conjuntura de Collatz teria sido inventada pelos serviços secretos soviéticos para distrair os cientistas ocidentais.
Quanto a mim, fechei os olhos e sonhei que estava morto. Passeava ao longo de uma praia, que era também uma biblioteca. Ao fundo, sentado numa rocha, junto ao mar, vi um homem muito velho. A mão direita acariciava uma bengala invisível. Era Jorge Luis Borges. Aproximei-me:
— O senhor também está morto? — perguntei.
— Não tenho a certeza. — retorquiu Borges. — Talvez eu seja apenas um livro à espera de um leitor.
— Eu sim, estou morto! — confessei. — Completamente morto! Mas mesmo sabendo que estou morto, e que não posso ficar mais morto do que estou agora, continuo sentindo muito medo da morte.
Borges tentou tranquilizar-me:
— A vida é um livro. Você pode sempre voltar ao início.
Ao sentar-me diante dele, noutra rocha, percebi que tinha os sapatos cheios de areia. Descalcei-os e sacudi-os.
— E a solidão? — perguntei. — Sabe dizer-me o que é a solidão?
Borges hesitou um breve instante. A seguir agitou no ar a bengala invisível, apontando os livros ao redor:
— Está vendo esta biblioteca? Imagine que todos estes livros tivessem sido escritos por si. Tantos livros e uma única voz. A esse inferno poderíamos chamar solidão.
Quando me retiraram, meio zonzo, da máquina de ressonância magnética eu já sabia que o meu próximo romance seria sobre a morte e a solidão; já criara o início de um enredo, algumas frases, e até o personagem principal — um geólogo e poeta, que, diagnosticado com uma doença incurável, compra uma igreja abandonada, junto a uma falésia, em pleno deserto do Namibe, em Angola, e ali se instala, com alguns livros e muitas interrogações. “Morrer é uma superstição extremamente bem sucedida” — defende o meu geólogo. — “Penso na vida como sendo uma música em loop infinito. Em algum momento ela começa, desenvolve-se, mas, na verdade, nunca termina.”
Agora só preciso escrever o romance. Abençoada ressonância magnética.
José Eduardo Agualusa
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