Foi assim que fiz amizade com comparsas como o livreiro da Folha Seca, no Rio, ou com a Arte & Letra, em Curitiba, exemplos de resistência com elegância.
Livraria Lello, uma das mais bonita do mundo |
Na Shakespeare & Co. percebi as pequenas ideias espalhadas pelos corredores caóticos da livraria e sebo parisiense, e realmente tem caldo histórico, apesar da cara de peixe morto da loirinha herdeira e atual mandatária da lendária livraria do entre-guerras.
Mas a livraria preferida, a que visitei um punhado de vezes, é a portuguesa Lello, no Porto. Na primeira visita tive uma estranha emoção, olhei para as prateleiras centenárias coalhada de livros novos, e a sensação de longevidade do lugar me emocionou. Fui amparado pela minha mulher, subimos as escadas vermelhas, tomei um café e depois tomei coragem, fui me apresentar ao livreiro, no caixa logo na entrada, ele de gravata.
Depois de conversarmos animadamente sobre nossas amizades com clientes e escritores, ele é amigo do Paulo Coelho, inclusive, pedi uma ou duas sugestões de autores portugueses, no que fui rapidamente atendido. Saí feliz com o lugar, com o livreiro e com o meu ofício.
Este ritual se repete ano a ano, quando da viagem de férias na terrinha. Pois neste ano fui me aproximando e vi algo diferente na porta da bela Lello. Um segurança, também de gravata, mas não o livreiro, me aguardava na entrada. Havia também aquelas faixas de organizar fila de autógrafos, mas quem daria os autógrafos era a Lello. Explico: o segurança me pediu 3 euros para que pudesse entrar no local. Eu, a Ana e os três pequenos, 15 euros, que poderiam ser resgatados caso eu comprasse alguma obra.
O que fez a Lello decidir pelo ingresso? Me lembrava do livreiro que lamentava que tirassem fotos e que muitos não adquiriam livros, simplesmente passeavam e saíam em seguida da livraria. Isso o incomodava.
Vi também que os números da livraria se agigantaram logo depois de ela, a livraria, ser cenário de um dos filmes do Harry Potter. A J. K. Rowling frequenta e ama a casa, e deu essa homenagem a eles.
Bem, com tudo isso, com a beleza centenária, na verdade 110 anos em 2016, a estreia no cinema e a visita de mais de 1.500 pessoas dia antes da cobrança da entrada, o que para uns (eu) pode ser uma ótima vida, para eles era a agonia de deixar de faturar.
Hoje a Lello recebe metade das visitas, permite as fotos e tilinta o seu caixa com o dobro de vendas da era romântica. Antes eram 250 livros dia. Também aumentou o quadro de funcionários, tudo dentro da nova era dos números.
Mas aqui cabe uma observação. A livraria, ao cobrar entrada, abre mão da sua identidade e acata ser um parque temático. O cliente soberano compra por 3 euros o passaporte da alegria, e a livraria tem que servir de outra maneira. Como se resgata a entrada com qualquer compra, se compra mesmo qualquer lembrancinha, mecanicamente. Os livros portugueses perderam espaço para os livros em mandarim, japonês e inglês.
O conceito de entrada acho que se aplica melhor em museus, lugares que nos banhem com obras de arte. A Lello mesmo sendo linda, ainda é um comércio.
Uma doce derrota ou amarga vitória, vocês escolhem.
Voltando para o momento em que recebi a notícia do custo da entrada, olhei para o segurança, olhei pros meus filhos e pra Ana. Ela logo desistiu, disse que me esperava num café próximo, meus filhos me olharam de volta, e eu desisti de entrar na Lello.
Tirei uma foto e postei na web, com um desabafo. Queria reforçar a crença no ofício, como da primeira vez. Talvez este texto seja este reforço, quem sabe?
Antes de sair procurei pelo livreiro de gravata, e ele não estava. Talvez também tenha desistido.
José Luiz Tahan
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