sexta-feira, fevereiro 5

Assim começa o livro...

Você teria que procurar muito tempo para encontrar algo parecido com as veredas sinuosas ou os prados tranquilos pelos quais a Inglaterra mais tarde se tornaria célebre. Em vez disso, o que havia eram quilômetros de terra desolada e inculta; por todo lado, trilhas toscas que atravessavam colinas escarpadas ou charnecas áridas. A maior parte das estradas deixadas pelos romanos já teria àquela altura se fragmentado ou ficado coberta de vegetação, muitas delas desaparecendo em meio ao mato. Uma névoa gelada pairava sobre rios e pântanos, muito útil aos ogros que ainda eram nativos daquela terra. As pessoas que moravam ali perto — e pode-se imaginar o grau de desespero que as teria levado a se estabelecer num lugar tão soturno — teriam razão de sobra para temer essas criaturas, cuja respiração ofegante se fazia ouvir muito antes de seus corpos deformados emergirem da neblina. Mas esses monstros não causavam espanto. As pessoas da época os teriam encarado como perigos cotidianos, e naquele tempo havia uma infinidade de outras coisas com que se preocupar: como obter alimentos do solo duro; como não deixar que a lenha acabasse; como curar a doença que podia matar uma dúzia de porcos num único dia e provocar brotoejas esverdeadas nas bochechas das crianças.


De qualquer forma, os ogros não eram tão ruins assim, desde que ninguém os provocasse. Era preciso aceitar que, de vez em quando — talvez depois de alguma obscura desavença entre eles próprios —, um desses monstros, tomado de uma fúria terrível, iria entrar atabalhoadamente numa aldeia e, apesar dos gritos e das armas brandidas em sua direção, acabaria destruindo tudo o que lhe aparecesse pela frente e ferindo quem demorasse a sair de seu caminho. Ou que, de vez em quando, um ogro poderia
agarrar uma criança e sumir neblina adentro. As pessoas da época tinham que se resignar com essas atrocidades. 

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