sexta-feira, fevereiro 19

Drummond, João Brandão e a política

joaobrandao
Por mais que se evidencie o ceticismo político de Carlos Drummond de Andrade, não se pode jamais dizer que o assunto não lhe interessava enormemente. Mas ao abordá-lo, em suas crônicas, o escritor não o faz da forma combativa que talvez se esperasse de quem esteve sujeito aos rigores do regime militar. Nem por isso a crítica deixa de se fazer presente, por vezes de maneira tão sutil que é difícil identificar uma corrente ideológica a que se filie. E não é de se espantar que, simplesmente insinuando suas posições, Drummond tenha conseguido resultados literários mais relevantes do que se externasse abertamente o seu pensamento. “Caminhos de João Brandão” (Companhia das Letras, 2016) é uma reunião de crônicas escritas nos anos 60 e que permite vislumbrar o comportamento do escritor diante das agitações políticas daquela época.

São especialmente notáveis os textos com aparição de João Brandão, curioso personagem criado por Drummond e tido como um alter ego. É com ele que o cronista irá percorrer o cenário político do país, sentir suas dores cívicas e enfrentar absurdos que não devem muito a Kafka. João Brandão não se surpreende com o que acontece no país, pois sabe que tudo pode acontecer, e geralmente acontece, com exceção de duas ou três coisas. Mas mesmo o absurdo nacional é demais para as suas forças. Ele não é, afinal de contas, um herói, mas um qualquer, um não-iluminado, um não-portador de missão. É um homem com isenção de ânimo, único brasileiro a não querer ensinar o presidente a governar. Ao colocar este homem no poder do país, Drummond revela aspectos não apenas do início do regime militar, mas da própria alma do país, um lugar onde até a ausência de conflitos poderia se tornar um problema e trazer consigo o caos.

Trata-se de um cronista com visão acurada do noticiário e da realidade do seu tempo, capaz de fazer com perfeição aquilo que teóricos mais apaixonados do jornalismo atribuem como missão do gênero, ou seja, aprofundar a notícia. Não lhe interessa a aridez dos acontecimentos políticos, mas a poesia que os rodeia. A política é trazida ao cotidiano comum e, em meio a cenas e diálogos imaginados, o cronista é capaz de revelar tendências nos costumes do país. Ali estão também algumas de suas aflições diante do progresso e alguns conflitos geracionais que marcariam a temática do seu livro seguinte. A própria mistura com a poesia, embora menor, já acontece no livro. No seu estilo sóbrio e com humour característico, Drummond evoca tudo o que é de interesse humano – tudo o que, por vezes, a política se esforça em destruir.

Henrique Fendrich

Nenhum comentário:

Postar um comentário