Mas antes dos livros, ainda adolescente, trabalhei em jornal, em Manaus, que ainda usava composição a quente (linotipo, monotipo e clichês) e impressão em máquinas planas. Uma coisa! Uma vez vi uma página mal amarrada estourar e espalhar colunas de linotipo e blocos de clichês para todo lado, com risco de ferir um gráfico. Aliás, essa exigência técnica de produzir uma página completamente “amarrada” da tipografia perdeu-se na etapa seguinte do paste-up, e o que se viu de colunas tortas e fotos mal ajustadas... Só a editoração eletrônica recuperou a beleza de uma página bem montada.
Cada uma dessas etapas vividas só aumentava minha admiração pelo sujeito que inventou o básico: a impressão com tipos móveis. Sim, o famoso Johann Gutenberg.
Nunca fui a Mainz, sua cidade e sede de um museu e de um centro de estudos sobre tipografia, embora a cidade esteja bem perto de Frankfurt, tantas vezes visitada nas feiras. Mas sempre vou ao estande do Museu na feira, brinco de impressor e há muito tenho minha cópia tipográfica de uma página da famosa Bíblia de 42 linhas.
Recentemente li uma das poucas biografias sérias de Gutenberg existentes em tradução. Os trabalhos sobre a descoberta e vida dele são quase todos em alemão. É Johann Gutenberg – The man and his invention, de Albert Kapr. Achar o livro foi difícil. Encomendei através da Amazon mas o livro nunca chegou. Achei em um sebo por aqui e consegui comprar e ler.
É certamente um livro fascinante, com uma sólida abordagem do contexto da vida do inventor. Mainz estava feudalmente submetida a um Bispo Eleitor do Sacro Império Alemão, personagem político de primeira grandeza. Mas a cidade vivia às turras com os bispos, principalmente no período de vida de Gutenberg, quando o crescimento da burguesia já era evidente e entrava em choque com aquelas instituições feudais.
Capa do livro Johann Gutenberg – The man and his invention, de Albert Kapr | © Reprodução
Capa do livro Johann Gutenberg – The man and his invention, de Albert Kapr | © Reprodução
A família de Gutenberg (as explicações sobre os sobrenomes na época são deliciosas) fazia parte da nobreza, e em vários momentos, por conta das disputas, teve que se exilar para a cidade-sede do bispado, Eltville (onde também estão alguns dos principais vinhedos do Reno). Essa origem social perpassa muitos aspectos da vida de Gutenberg, inclusive a disputa com o sócio Fust, episódio muito importante no desenvolvimento da imprensa.
Não se conhece a data exata de seu nascimento (entre 1400 e 1403). Estudou em Efurt e sabe-se que se aperfeiçoou em ourivesaria e em técnicas de estampagem, que seriam fundamentais para o desenvolvimento da tipografia.
Alguns detalhes que ressaltei da biografia.
- A primeira versão dos tipos móveis de Gutenberg não foi feita em Mainz, e sim em Estrasburgo. O aperfeiçoamento final é que foi em Mainz, onde ele imprimiu a famosa Bíblia, conhecida como B-42 (o B se refere à forma do tipo, e o 42 se refere ao número de linhas em cada página).
- O processo de “invenção” da tipografia foi extremamente complicado. Gutenberg foi o primeiro – e aí está a raiz de tudo – a conceber um processo viável e simples de fundição de tipos. As tentativas anteriores de impressão incluíam tipos de madeira, cerâmica e a impressão em blocos de madeira, como xilogravuras, com os textos desenhados. O tipo móvel é a primeira e a mais fundamental das descobertas de Gutenberg. Ele inventou uma espécie de portador dos moldes que permitiu a fabricação rápida dos tipos de impressão a partir de uma patriz (escultura das letras em punções com instrumentos de ourives). Essas punções eram aplicadas em uma barra de cobre, criando as matrizes. Como o golpe deformava a matriz, era necessário retificá-las (outra habilidade de ourives) e daí se tinha uma matriz final. Essa, usando o tal fundidor de tipos, gerava os caracteres necessários para a impressão. Só para a impressão da B-42, Gutenberg fundiu cerca de dois milhões de tipos, de 290 formatos. Esse processo necessariamente tinha que ter muita precisão, para que os tipos pudessem se alinhar e se ajustar entre si. Para isso, também se fundiram ligaduras (combinações de letras, como o Æ), sinais de pontuação, etc.
- A impressora foi construída a partir de modelos de prensas de vinho, com adaptações importantes: uma bandeja deslizante para se colocar a composição. Essa bandeja tinha que deslizar de modo bem preciso, para que a mancha ficasse sempre no mesmo lugar, e depois para que impressões de cores não perdessem o registro. A impressão propriamente dita se dava quando uma prancha de madeira descia por uma alavanca manejada pelo impressor e “carimbava” o papel colocado (também ajustado) sobre a composição.
- Finalmente, Gutenberg teve que desenvolver uma tinta que não borrasse e permitisse a impressão com clareza. A tinta usada por Gutenberg era feita a partir da fuligem de candeeiros, verniz, albume e urina humana como prováveis aditivos. A qualidade da tinta de Gutenberg até hoje impressiona quem vê um exemplar da B-42 (foto).
- O primeiro impresso atribuído a Gutenberg, em Estrasburgo, é um trecho intitulado Fragmento do Weltgerich. Mas os primeiros livros, já impressos em Mainz (com tipos fabricados em Estrasburgo) foram os chamados Donatus. Eram simplesmente livros didáticos, um manual escolar de latim.
Gutenberg regressa a Mainz por volta de 1448, e estabelece a oficina na casa de sua família, a Gurtenberghof. Lá imprimiu várias tiragens do Donatus, mas o local e as condições eram insuficientes para desenvolver seu grande projeto, a impressão da Bíblia.
Leia mais o artigo de Felipe Lindoso
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