O sacolejar nauseante não cessa, embala a todos estrada afora: os quietos, os falantes, os tristes, os alegres e os enjoados, como eu. Entre chegadas e partidas, subidas e descidas, as histórias secretas que as bagagens ocultam, as frustrações e alegrias que as etiquetas rotulam. Seguimos alheios, dispersos em nós mesmos, observando a paisagem que muda a cada meia dúzia de segundos. Num banco, lá atrás, uma mulher atende o celular que toca insistentemente, deveria estar na bolsa, escondido em algum compartimento de difícil acesso. Mulheres gostam de bolsas com repartições que, de tantas, se tornam secretas para elas mesmas. A voz feminina informa que chegará no horário, conta trivialidades, ri, pergunta sobre outras pessoas, se cala enquanto ouve, depois se despede. O silêncio coadjuvante do barulho do motor volta. As ultrapassagens que o motorista faz me parecem erradas, é muita responsabilidade transportar pessoas que dormem, comem, leem ou falam ao celular enquanto aguardam o momento de chegar a seus destinos.
Encostado em meu corpo, A viagem do elefante, de José Saramago, viaja junto. A garota na poltrona do lado oposto do corredor, pergunta à mãe quando terá a parada “para comer”. “Você acabou de comer, menina.” “Comi salgadinho, mãe, salgadinho não sustenta.” A mãe a olha pensativa, jeito de quem ficou sem resposta para tanta razão. Uma garota bonita e esperta, que fazia palavras cruzadas em voz alta, sem nenhuma dificuldade, enquanto a mãe a observava, satisfeita. Sabia que ganhara mais do que teria desejado.
Saramago conta a história de Salomão, um paquiderme, verdadeiro herói, que faz uma viagem aventureira por Portugal, Espanha e Itália, enfrentando todo tipo de intempéries e perigos para ser entregue ao novo dono. Ele pertencia a dom João III que, certa noite, em conversa com a mulher Catarina, resolveu dá-lo de presente de casamento ao arquiduque austríaco Maximiliano II e à sua recém-esposa, filha do imperador Carlos V.
Chegamos, informa o motorista. Tropeço, erro o primeiro degrau da escada, bato a cabeça na porta e, na confusão com bolsas e sacolas, finalmente desço do ônibus. Um banho, depois de horas entre odores não desejados, é bálsamo. Às 23h10min tomo consciência de que A viagem do elefante foi esquecido no ônibus. Um susto, um desalento, uma sensação de perda, uma saudade, não lembrava em que página o marcador com ímã ficou, mas era na parte em que o elefante havia chegado ao seu destino, recebido com honrarias, aplaudido pelo povo nas ruas. Desejei que o livro tivesse a mesma sorte, que quem o encontrasse gostasse de ler e entendesse que eu queria saber o final da história.
Ele passou a noite no banco do ônibus, ninguém o pegou. No outro dia o motorista o trouxe, o marcador também estava lá. Viajou até Concórdia, Santa Catarina, e voltou. Dizem que elefante dá sorte.
Elyandria Silva
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