sábado, janeiro 11

Cada leitor tem o livro que merece

O grande barato da literatura é que cada leitor vê, e ouve, e sente, os sons e os aromas, as razões e sentimentos, de forma diferente, mas interpretando o mesmo texto. Também depende da potência imaginativa do leitor, da quantidade e qualidade de seu repertório e suas referências. De certa forma, cada leitor tem o livro que merece. Nos cenários, na trama, nos personagens, no ritmo da narrativa e na sonoridade das palavras que ecoam dentro da cabeça de cada leitor. É quando o livro se completa e se integra às nossas memórias afetivas. Alguns escritores se tornam nossos companheiros de viagem, desde o primeiro livro. Como “Cem anos de solidão”, de García Márquez, ou “Tia Julia e o escrevinhador”, de Mario Vargas Llosa. Li tudo dos dois, quase sempre com grande prazer e encantamento, aprendi muito com eles e seus estilos e personalidades diferentes, que se tornaram até antagonistas, depois de um rompimento escandaloso, diz a lenda, que teve como protagonista Patricia, a segunda mulher de Dom Mario (com quem foi casado 50 anos, depois de 9 anos com a Tia Julia).

Momento fofoca. O galante Dom Mario, um homem alto, elegante e muito bonito até os seus atuais 88 anos, se separou de Patricia para se casar com a bela espanhola-filipina Isabel Preysler, de 73 anos, socialite e apresentadora de TV que foi casada 15 anos com Julio Iglesias, e estão juntos até o fechamento desta edição, quando Dom Mario lança seu derradeiro romance, e ele mesmo dá spoiler no posfácio: foi sua última ficção.


Sempre aguardei ansioso, como um novo disco de João Gilberto, uma nova música de Tom Jobim, um novo livro de Vargas Llosa, ou Rubem Fonseca, Jorge Amado, para ganhar minha atenção, me entreter, me apaixonar por aquele mundo em que se conta a história turbulenta e sangrenta da América Latina.

Um de seus melhores livros não é um romance — em “O peixe na água” ele narra com talento e cultura de grande escritor a sua aventura como candidato a presidente do Peru, favorito absoluto derrotado por Fujimori numa reviravolta absurda de última hora movida a dinheiro e corrupção, que marca a ascensão do populismo de direita na América moderna. A história dessa derrota supera as mais delirantes ficções do tal realismo mágico latino-americano, pela insanidade coletiva, pelas forças subterrâneas que movem a história do Peru.

“Dedico a você o meu silêncio” é o lindo título do romance que o escritor oferece aos leitores como seu canto do cisne. Mas cisne canta? Grasna, talvez, de agonia. É a história de um professor paupérrimo que dedica a vida a provar que o vals criollo, a música tradicional peruana, tem potencial para unir, alegrar e fazer crescer o país mestiço. Mas como o lendário violonista Lalo Molfino, símbolo da excelência musical, é um personagem de ficção, é impossível imaginar como tocava, que música tocava, e avaliar a potência revolucionária do vals criollo. Como descrever um som ? Melhor tentar o Spotify, senão você não vai entender nada dessa história.

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