O menino carregava no coração o rio de sua cidade, chamado de Cachoeira. Para ele não existia no mundo um rio melhor do que aquele, que dividia a sua cidade em duas partes. Um dia, a Ponte Velha foi erguida para unir as duas margens, facilitando a comunicação das pessoas. No dia da inauguração foi declarado feriado municipal, os sinos da igrejinha tocaram em homenagem à festa que a cidade fazia com o ganho daquele portentoso cartão postal. Gente importante vestida de roupa de linho branca, usando sapato da última moda, homens sisudos com chapéu da palhinha, bigode retorcido nas pontas, ficaram no dia da inauguração fazendo a travessia da Ponte velha, pra lá, pra cá.
Passou a saber agora que uma visita à Ponte Velha de vez em quando era necessária para que os olhos não esquecessem o visual bonito de ver, através da paisagem que o rio oferecia numa canção constante das águas descendo serenas rumo ao mar. No final esqueceria tudo que era doce, a pancada formosa, as águas conversando amiúde entre as pedras, o vento, o sol, a chuva, a lua, a estrela, os seus eternos companheiros de viagem.
Da balaustrada, ficava olhando as águas passando debaixo da Ponte Velha. O visual impressionava vivamente. Casas ribeirinhas no aclive do terreno, as lavadeiras estendendo roupas que coloriam as inúmeras pedras pretas, os areeiros tirando areia dos trechos rasos. Jumentos transportavam em latas as cargas de areia. Tempo bom para o areeiro retirar a areia do fundo do rio era nos meses de verão. A cidade toda sabia, pelas mãos do areeiro, que o rio era uma dádiva e a argamassa da casa feita de fibra específica: calo, suor e areia. O pescador na canoa jogava a tarrafa no poço e a recolhia das águas cheia de peixes. De lá, no meio da ponte, avistava a Ilha do Jegue, recordava que as águas desciam furiosas na cheia, lambiam seus barrancos, diminuindo cada vez mais o seu tamanho.
Como esquecer cada enchente do rio? Descia feito um réptil sem tamanho, espumando e invadindo as ruas ribeirinhas, até mesmo a avenida do comércio, a principal da cidade. Levava no lombo toro de pau, bicho morto, porta, janela e cama. Algumas dessas enchentes ficaram na memória do povo, um poeta popular chegou a fotografar em versos a zanga do pequeno rio.
Dizia em certo trecho:
As casas comerciais,
Assim que o dono chegava,
A que tinha ainda porta,
Quando ele a destrancava,
A sua mercadoria
Coberta de lama achava.
Tinha gente que acordava
Naquele grande alvoroço,
A água levando tudo,
Fazendo o maior destroço,
O pobre salvava a vida
Com água pelo pescoço.
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