Os três homens falavam de poesia. Pessoa, Drummond, Borges, Lorca, Bishop, Plath, Szymborska. Poesia, poesia, poesia, ouvia o garçom toda vez que passava pela mesa. No momento em que dois avisaram que precisavam ir embora, o terceiro protestou: “Justo agora que a prosa está ficando boa?” “A prosa? Que horror!”, exclamaram ao mesmo tempo os outros dois. A gargalhada dos três, alta, escandalosa, fez com que todos olhassem para eles. Ora, quem diria, aqueles senhores empertigados… Quando o garçom foi buscar para eles a maquininha de cartões, o dono do restaurante perguntou: “Que piada foi aquela? Me conta.” “Não sei, um negócio qualquer de poesia.” “Ah, poesia”, murmurou decepcionado o dono.
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Os antigos enfeitavam a poesia com flores e passarinhos. Gerações posteriores desenvolveram o conceito de que as flores e os passarinhos não eram adornos, mas a essência da poesia. Tudo isso até que as flores, os passarinhos e a poesia entraram no ciclo de decadência que os atiraria ao tristíssimo marasmo atual.
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Na poesia, os milagres são mais possíveis que na prosa. A prosa tem a mania da construção e da lógica. A poesia é imprevisível como um vento desembestado. A prosa abomina o acaso. Ela é um trabalho do homem. A poesia é uma distração dos deuses.
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Penso que a melhor poesia não é aquela que define, mas aquela que sugere. Ela deve ser não a ilha, talvez nem mesmo a sua ideia, mas uma percepção, um pressentimento de ilha. Sob esse aspecto, a poesia japonesa é inigualável.
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Não acredito em poetas que atribuem à poesia a função e a capacidade de salvar o mundo. Isso soa como manifesto, e manifestos não calham bem à poesia. Ela existe para alimentar e aliviar a sede de algumas poucas almas, assim como a música de Beethoven, Mozart e Bach.
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Diga a teoria o que disser sobre a exata proporção entre a inspiração e a transpiração, um poema pode muito bem se fazer sozinho – se quiser. A poesia é um vício tão antigo que qualquer aldeão ou aldeã semialfabetizada podem num instante colher uma batelada. Poesia pode fazê-la o vento, pode fazê-la o rio, pode fazê-la o mar, pode também fazê-la o poeta, desde que aquilo que o poeta faça seja poesia.
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Fazer poemas nós conseguimos. Já a poesia é diferente. Ninguém faz a poesia. Ela se faz e, por condescendência, permite às vezes que o poeta revele algo dela, aquilo que as insuficientes palavras conseguem alcançar. Deixar-se traduzir inteira é raro. Sabe-se de um caso ou dois. Rilke é um deles.
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