quinta-feira, janeiro 16

O credo de um poeta

O meu objetivo era falar sobre o credo do poeta, mas, olhando para mim, descobri que tenho um tipo de credo vacilante , nada mais. Esse credo talvez possa ser útil para mim, mas dificilmente o será para os outros.

Com efeito, penso em todas as teorias poéticas como meras ferramentas para a escrita de um poema. Suponho que devia haver tantos credos, tantas religiões, como há poetas. Embora no fim diga qualquer coisa do que gosto e do que não gosto no que se refere à escrita de poesia, acho que vou começar por algumas recordações não só de escritor, mas também de leitor.

Penso-me essencialmente como leitor. Como sabem, aventurei-me na escrita; mas penso que as coisas que li foram muito mais importantes do que as que escrevi. Porque lemos aquilo de que gostamos –mas não escrevemos o que gostaríamos de escrever, apenas o que podemos escrever.

Encontrei alegria em muitas coisas – nadar, escrever, contemplar um nascer do sol ou um por do sol, apaixonar—me etc.. Mas, de certo modo, o facto central de minha vida tem sido a existência das palavras e a possibilidade de as tecer em poesia. A princípio, por certo, era apenas um leitor. Mas penso que a felicidade de um leitor vai além da de um escritor, pois o leitor não precisa de sentir a perturbação, a ansiedade: anda simplesmente à procura da felicidade. E a felicidade, quando se é leitor, é frequente. Por isso , antes de passar a falar sobre minha produção literária, gostaria de dizer umas palavras a respeito dos livros que foram importantes para mim. Sei que essa lista abundará em omissões, tal como todas as listas. Com efeito , o perigo de fazer uma lista é que as omissões se destacam e as pessoas nos acham insensíveis.

Falei há momentos das Mil e um noites de Burton. Quando penso nas Mil e uma noites não penso naqueles vários volumes, pesados e pedantes (ou melhor , formais) volumes, mas no que podemos chamar as verdadeiras Mil e uma noites – as Mil e uma noites de Galland e, talvez, de Edward Willliam Lane.

Jorge Luis Borges , "Este Ofício de Poeta"

Nenhum comentário:

Postar um comentário