Têm elas, como eu, um alien alojado em alguma parte de seus corpos (ou fluídico e difuso em seu todo), com o qual mantêm relações estranhas e contraditórias. Em algumas, a relação é de beligerância declarada – e estas geralmente exibem a fisionomia contrita do guerreiro. Querem vencer e tudo farão para expulsar o invasor e destruí-lo. Outras, ao contrário, procuram ouvir o que o invasor tem a lhes dizer e o tratam antes como mensageiro do que como inimigo. Não cedem a ele, mas também não o afrontam com iras desmedidas. E um ser que está ali, com sua sintaxe desordenada, querendo expressar algo. Curiosamente, essa atividade as ilumina.
Ainda sou neófito nas artes de convivência com meu alien, mas tendo a imitar essa última postura. Procuro decodificar as mensagens que ele me envia, sempre tomando o cuidado de interpretar o conteúdo delas. Nesses poucos dias, aprendi mais sobre mim do que em muitos anos de saudável pastio pelas rotinas da vida. Descobri afetos insuspeitados, docilidades, relevâncias onde antes nada havia. E, simetricamente, a absoluta irrelevância de certas coisas que julgávamos muito importantes.
Os males imaginários, por exemplo, nos infundem muito mais terror que um bando de células malucas embutido em nosso peito. Pois são apenas células malucas – e não passam disso. Tememos todas as mortes possíveis, sofremos a iminência trágica e retumbante de cada uma delas – mas somente uma única mortezinha, singular e vulgar, nos arrebatará deste mundo.
Como quem descobre uma nova ruga ou um novo fio de cabelo branco, você descobre que o espírito também envelhece e fica mais sábio. E ficar mais sábio, neste caso, não significa mergulhar em transcendência, mas, ao contrário, buscar a imanência das coisas mais simples. Onde estão elas, você perguntará. Não há resposta verbal, nem construção conceituai, que indique onde estão e o que são as coisas simples. Podemos fazer algumas aproximações, através da sensibilidade, na direção delas. Por exemplo: desligar o televisor, ao primeiro sinal de tédio, e olhar com um interesse completamente novo, inaugural, para o rosto da pessoa que há anos vive a nosso lado.
Jamil Snege, Gazeta do Povo
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