— Minha nossa. Coitada de você!
As palavras vieram sentidas, do fundo do coração. Minha Mãe é arquiteta, tem senso estético, é uma pessoa organizada e, sobretudo, minha Mãe viveu uma longa vida ao lado do meu Pai, que padecia do mesmo mal: livros.
— O que você vai fazer com tudo isso?!
— Vou separar, ficar com os que eu gosto, mandar alguns pro sebo, outros pra biblioteca...
— Isso você já me disse há três meses.
Viver nessa abundância perpétua de livros é tudo o que eu sonhei na vida, a minha ideia de paraíso; mas, às vezes, até o paraíso pode sair de controle. Estou passando por um momento assim. Perdi o fio da meada, não sei mais quem vai, quem fica, quem merece leitura ou releitura. Na semana passada, por exemplo, precisei reler “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha. Revirei a casa e, no fim, acabei baixando um exemplar da Amazon (tão encantador em ebook quanto em papel).
Há uma lógica no fluxo de livros da casa. Só vêm para o meu escritório e especialmente para o meu quarto os que quero ter ao lado para leitura imediata.
No momento, há 42 livros na mesinha de cabeceira. A mesinha tem um vão entre o tampo e as gavetas, onde parte deles me espera; mas este vão é um perigo, porque às vezes acontece de alguém se perder por lá. Foi o caso de “Tudo são histórias de amor”, da Dulce Maria Cardoso, um tesouro de escrita bem pensada, em que quase nada é amor, mas tudo é sentimento (com um tanto de desconforto às margens). Eu não sabia mais onde o tinha posto, e senti saudades. O livro é da Tinta da China, uma editora de origem portuguesa que, maravilha das maravilhas, só faz livros de que eu gosto.
No vão da mesinha também está “A casa dourada”, de Salman Rushdie, traduzido por José Rubens Siqueira para a Companhia das Letras, que ainda não consegui começar porque Rushdie requer uma concentração que está me faltando, e “Os dias dos Turbin”, de Mikhail Bulgákov, traduzido por Irineu Franco Perpétuo, que li, mas não consegui levar para a estante porque sentiria falta dele. Também pudera, é da Carambaia.
Por falar em teatro, ao seu lado estão “Édipo Rei”, na tradução clássica de Mario da Gama Kury, e “Édipo Tirano”, traduzido no ano passado por Leonardo Antunes, que me contaram Sófocles em vozes distintas. Recomendo as duas traduções, mas recomendo, sobretudo, ambas, juntas, ao mesmo tempo, porque o exercício intelectual que oferecem é muito rico — a começar pela explicação de Antunes para a escolha da palavra “tirano” no título. Um é da Zahar, o outro da Todavia.
Preciso falar mais desses livros queridos, dessa turma que junta parece bagunça mas no fundo é companhia. O espaço está acabando, mas deixa só contar que chegou novidade daquela pequena editora audaciosa que se acha cidade chamada Antofágica, e ela é uma edição primorosa de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, com ilustrações de Candido Portinari.
Um dia eu arrumo tudo, prometo.
Cora Rónai
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