quarta-feira, dezembro 4

Os melhores livros do século XXI (até agora)

"Fazer listas", escreve Alberto Manguel em seu O Diário de Leituras, "dá origem a certa arbitrariedade mágica, como se a simples associação pudesse criar sentido". Pois bem, que sentido se pode encontrar em uma lista que tenta fazer um balanço das duas primeiras décadas do século XXI? Vamos começar pelo princípio. Naquela terça-feira de 11 de setembro de 2001 dois aviões de passageiros sequestrados por terroristas suicidas derrubaram as Torres Gêmeas de Nova York, mataram quase 3.000 pessoas e mudaram o mundo para sempre. De passagem, mandaram para o quarto de despejo a hipótese hegeliana do fim da história reciclada por Francis Fukuyama depois da queda do muro de Berlim e resolveram a discussão sobre se o século XXI começava no ano de 2000 ou em 2001. A guerra das galáxias ficou no choque de civilizações. O computador passou no teste de efeito 2000, mas seu usuário –a nova grande palavra– entrou na era do medo, da insegurança, da precariedade, da intimidade (pública) e da realidade (virtual).

SETANTA
O futuro tinha chegado tão cedo em forma de estilhaços que os cinemas ficaram repletos de remakes; as livrarias, de cânones, coletâneas e resumos e listas do melhor melhor e dos mais mais (que se deveria ver, ler e escutar... antes de morrer). Também de escritos com um fundo de história universal e livros de não-ficção ou autoficção que dão tanto valor ao enredo como a seu making-of. Incapaz de imitar uma realidade presente que parecia de romance, a literatura se voltou para o passado, a memória (histórica apenas), a investigação jornalística, em primeira pessoa e na própria literatura, que se tornou metatudo.

Daí o triunfo absoluto de 2666, um livro total composto por cinco partes e publicado no segundo semestre de 2004, no ano seguinte à morte de seu autor. Desde Borges –meticulosamente retratado por Adolfo Bioy Casares em um diário já inevitável -, nenhum escritor influenciou tanto as novas gerações como Roberto Bolaño. O fato de seus livros começarem a ser publicados na Espanha pela Anagrama e atualmente pela Alfaguara –as duas editoras espanholas mais presentes na lista da Babelia– é outro sintoma do peso de alguns selos na criação do gosto contemporâneo.

Talvez por uma mera questão geracional, a literatura canônica das duas primeiras décadas do século XXI se ocupou de cutucar as feridas do século XX. As guerras mundiais, a guerra civil espanhola, o período pós-guerra, a descolonização, as migrações, o apartheid, as ditaduras latino-americanas, a queda do império soviético, os feminicídios em Ciudad Juárez ou as turbulências no Oriente Médio podem ser rastreados na obra do próprio Bolaño e de Ian McEwan, WG Sebald, Javier Marías, Javier Cercas, Tony Judt, Mario Vargas Llosa, J.M. Coetzee, Zadie Smith, Svetlana Aleksiévich, Emmanuel Carrère, Marjane Satrapi e Edmund de Waal.

Se esses autores começam a ser canônicos, não é apenas por causa dos tópicos que abordam, mas também pela maneira como o fazem: misturando realidade e ficção, narração e reflexão, dinamizando os gêneros tradicionais ou deixando que sua intimidade sem filtros discutia com a história. Universal. Esse eu com vontade de nós é o que produziu, além do mais, títulos como os de Joan Didion, Lucia Berlin, Anne Carson e Raúl Zurita –que deu à sua obra magna o próprio sobrenome–, e sobretudo os seis volumes de Karl Ove Knausgård.

A grande história e a intimidade bruta também estão presentes em títulos de sucesso do século XXI, como O Código Da Vinci, O Menino do Pijama Listrado ou Cinquenta Tons de Cinza. Por que não estão nesta lista? Talvez porque não se encaixem na definição que o crítico Northrop Frye cunhou para "grande literatura": aquela que é "dona de uma visão sempre mais vasta do que a de seus melhores leitores". O poeta Wystan Hugh Auden fez a seguinte ponderação: “Existem livros que foram injustamente esquecidos; ninguém é lembrado injustamente”.

A crise econômica de 2008 acrescentou a indignação à insegurança e deu razão a um romance premonitório publicado na Espanha um ano antes: Crematorio, de Rafael Chirbes. Por tabela, empoderou –o verbo do século– um gênero e uma geração. O feminismo e o ambientalismo são, por ora, a resposta mais contundente a uma tendência insustentável que está a caminho de transformar em realismo puro um romance de, digamos, ficção científica como A Estrada, de Cormac McCarthy. Protagonizado por dois homens sozinhos –pai e filho– que vagam por um planeta devastado, a distopia do autor norte-americano inclui em suas páginas algo que se assemelha a uma definição da literatura de hoje: “Deus não existe e nós somos os seus profetas”.

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