De repente, meu amigo tentou liquidar a discussão, dizendo que bateria não era instrumento de música.
– Como não é instrumento de música? É instrumento de quê, então?
– De jazz.
– E jazz não é música?
– Música para você: para mim não é.
– Toda orquestra sinfônica tem bateria.
– Nem por isso ela fica sendo instrumento de música. Toda orquestra sinfônica tem maestro. Maestro é instrumento de música?
– Em certo sentido, é.
– Ora, deixa de conversa.
Discutíamos por discutir, levados pela mais absoluta falta de assunto.
– Você não entende de instrumento – meu amigo voltou à carga: – Se entende, me diga uma coisa: o piano, por exemplo. O piano é instrumento de corda ou de percussão?
Embatuquei. Sempre tivera o piano na conta de instrumento de corda, ora pois. Mas o diabo daqueles martelinhos lá dentro, percutindo nas cordas… De percussão?
– De corda – arrisquei.
– Não senhor: de percussão — arrematou ele, triunfante, e chamou o garçom com um gesto, pedindo outra cerveja.
Veio-me a certeza de que se eu tivesse falado “de percussão”, ele diria: “não senhor – de corda”. Agarrei-me à corda:
– Percussão aonde, seu! De corda.
– Percussão.
– Corda.
Dali partiríamos para os sopapos, se de súbito não tivesse entrado no bar o violinista triste. Vinha mais triste do que nunca, o violinista: andava apaixonado, sabia-se, e não era correspondido. Foi sentar-se num canto, como sempre, pediu um conhaque. Imediatamente o convocamos para a nossa mesa, e veio, olhos de vaca mansa, trazendo seu cálice. Para ele tanto fazia sentar-se nesta como naquela, ora dane-se! Estava apaixonado.
– Você que é músico de verdade vai dizer aqui a última palavra: bateria é ou não é instrumento de música?
– Piano é instrumento de percussão ou de corda?
Mas o violinista triste não queria saber de nada, muito menos de conversa de botequim. Largou-nos um olhar desconsolado, soltou um suspiro tristíssimo, ergueu-se, levando o cálice ao peito:
– E o coração… É instrumento de sopro ou de percussão?
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