sábado, abril 16

Assim começa o livro...

Aqueles dentre nós que conhecem a história sórdida e escandalosa delas não ficaram surpresos ao saber, graças a boatos vindos das diversas localidades onde as bruxas haviam se instalado após fugir de nossa aprazível cidade de Eastwick, Rhode Island, que os maridos que as três mulheres Perdidas haviam por meio de sua arte obscura materializado para si não se mostraram muito duráveis. Métodos maus geram maus produtos. Satã simula a Criação, sim, mas com mercadorias de qualidade inferior.

Alexandra, a mais velha das três, mais graúda de corpo e cujo temperamento mais se aproximava do normal e de uma humanidade generosa, foi a primeira a enviuvar. Seu instinto, como o de tantas esposas subitamente libertas na solidão, foi viajar - como se o mundo em geral, representado por frágeis cartões de embarque, atrasos maçantes em aeroportos e o tênue mas inegável risco de voar de avião em uma época de aumento do custo do combustível, falência de companhias aéreas, terroristas suicidas e desgaste metálico, pudesse ser forçado a revelar a mesma produtiva irritação da vida a dois. Assim como seu casamento, acomodado e inflexível, Jim Farlander, o marido que ela havia conjurado para si usando uma abóbora oca, um chapéu de caubói e um punhado de terra do Oeste dos Estados Unidos raspada da parte de dentro do para-choque traseiro de uma caminhonete com placa do Colorado que ela vira estacionada, estranhamente fora do lugar, na Oak Street no início dos anos 70, havia se mostrado difícil de demover de seu ateliê e de sua pouco frequentada loja de objetos de cerâmica em uma ruazinha de Taos, Novo México. Para Jim, viajar signifi cava pegar o carro e dirigir durante uma hora para o sul até Santa Fé; para ele, tirar férias era passar o dia em uma das reservas indígenas - Navajo, Zuni, Apache, Acoma, Isleta Pueblo - para espionar o que os ceramistas índios estavam oferecendo nas lojas de suvenires das reservas, e torcer para encontrar a preço de banana, em algum escritório empoeirado da Agência Indígena, um autêntico e antigo vaso pueblo preto e branco com desenhos geométricos, ou então um pote de mantimentos hohokam amarelo com suas espirais e labirintos em vermelho, que poderia então revender por uma pequena fortuna a algum museu recém-construído em uma das prósperas cidades de veraneio do Sudoeste. Jim gostava da vida que levava, e Alexandra gostava disso nele, já que ela, como sua mulher, fazia parte dessa vida. Ela gostava de seu corpo esbelto (ele nunca teve barriga até o dia em que morreu, e isso sem nunca ter feito um abdominal sequer na vida) e do cheiro de sela de seu suor, e do aroma de argila que se desprendia, como uma aura sépia, de suas mãos fortes e capazes. No plano natural, os dois haviam se conhecido quando ela, divorciada já havia algum tempo, tinha ido fazer um curso na Escola de Design de Rhode Island, onde ele lecionava como instrutor substituto. Os quatro enteados que ela lhe pôs nas costas - Marcy, Ben, Linda e Eric - não poderiam ter desejado um pai substituto mais calmo, mais tranquilizadoramente taciturno. Os filhos de Alexandra - todos já fora de casa de qualquer modo, Marcy já com dezoito anos - achavam mais fácil se relacionar com ele do que com o próprio pai, Oswald Spofford, pequeno fabricante de móveis de cozinha de Norwich, Connecticut. O entusiasmo do pobre Ozzie por beisebol de segunda divisão e campeonatos de boliche da empresa era tamanho que ninguém, nem mesmo os fi lhos, podia levá-lo a sério.

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