domingo, abril 17

Autoajuda literária

Um certo escritor belga chamado Paul Nyssens (1870-1954), engenheiro civil por formação, dedicou boa parte de sua vida a um tipo de literatura que se poderia chamar "psicologia popular", uma espécie de antepassado da autoajuda.

Publicou livros em que divulgava práticas relacionadas à boa saúde, à higiene, ao comportamento social e à "autogestão pessoal". Fazia palestras abertas ao grande público e se dedicava a formar alunos por correspondência. Era adepto do uso do esperanto e da alimentação vegetariana. Em suma, um educador por conta própria, imbuído do desejo sincero de influenciar pessoas e melhorar o mundo.

Um de seus livros tinha a generosa pretensão de nos ensinar a ler e estudar com mais proveito: Comment lire et étudier avec le plus de profit. Publicado em Bruxelas em 1913, alcançou relativo sucesso. Sua dedicatória diz tudo: "Dedicamos este livro às mulheres e aos homens ambiciosos de complementar sua própria educação, harmonizar sua personalidade, fortalecer seu caráter e superar sua condição presente".

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Relacionava leitura e estudo a uma existência melhor. Acreditava (com ingenuidade, talvez) na ideia de que nos livros podemos encontrar tudo o de que necessita uma pessoa para formar-se. Via naquele início de século 20, cheio de promessas e lacunas, ameaças e possibilidades, um tempo de preparação do indivíduo para os desafios da vida moderna. Todos tinham o direito, e o dever, de estudar. Praticava e defendia o autodidatismo, na medida em que via no sistema educacional vigente uma série de falhas. Estava convicto de que o futuro pertenceria àqueles que se dedicassem ao próprio aperfeiçoamento, pela via da autoeducação.

Interessante frisar que para Paul Nyssens a leitura não é um ato qualquer. Tem implicações quase morais. Deve ser uma bonne lecture. Não se trata de ler por ler, ou de uma obrigação fria e rotineira. A leitura deverá ser boa para que faça bem ao leitor e torne o leitor um bom estudante, um ser humano bom, um bom cidadão.

Um dos principais benefícios da boa leitura é cuidar do autoconhecimento, atividade vinculada ao aperfeiçoamento, seguindo a melhor tradição platônica. À medida que lê, o leitor estuda a si mesmo, descobre seus pontos fortes e suas fraquezas, e dispõe-se a lutar para adquirir virtudes.

Por exemplo, talvez o leitor descubra, quando lê e estuda com muita rapidez, que não retém na memória os conceitos que um autor lhe ofereceu. Tomando ciência, então, de que é precipitado, apressado, inquieto, fará o esforço de ler mais lentamente, buscará assimilar com calma o conteúdo do livro.

E assim por diante. O ato de ler vai revelando o teor do livro, mas, simultaneamente, quem o leitor é: preguiçoso, dispersivo, impaciente, inseguro, com memória deficiente. Num segundo momento, a própria leitura se torna o melhor campo de batalha para combater falhas e desenvolver capacidades.

A boa leitura é boa na medida em que o leitor pratica uma ascese psicológica e comportamental. De palavra em palavra, de frase em frase, de parágrafo em parágrafo, de página em página, exercita-se, luta para atingir objetivos de aprimoramento pessoal. Cultivará uma atitude mais positiva perante si mesmo e as tarefas a cumprir. Será, portanto, mais consciente e esforçado. Será mais perseverante. Mais disciplinado. Mais concentrado. Mais entusiasmado. E mais ambicioso.

Vale ressaltar o fascínio que a palavra ambition exerce sobre Paul Nyssens. O ato de ler não é ato puramente intelectual, mas envolve a vontade. Mexe com o querer, tanto quanto com o saber. Aliás, é preciso ter vontade firme para saber:

Cultive a ambição ardente de conhecer tudo o que é útil saber para o seu próprio benefício e para o bem dos outros.

O autor de Como ler fazia um alerta àqueles que quisessem conhecer todos os autores franceses, latinos, gregos e estrangeiros, e que se dedicassem ao devoramento de romances, relatos de viagens, obras sobre história, psicologia, filosofia, ciência... Para ele, essa atividade conduz, a longo prazo, à passividade e à improdutividade.

Ler bem é escolher bons livros. Outra vez a questão do bem aparece. Paul Nyssens afirma sem a menor hesitação:

Para cada livro bom existem centenas ou milhares de mínimo valor, ou inteiramente desprovidos de mérito [...]. Em geral, os melhores autores tratam a questão ou o tema que nos interessa do modo mais completo e mais perfeito, o que nos dispensará de ler os escritores medíocres.

O melhor é raro e o ruim, abundante. Mesmo um autor bom tem lá suas debilidades. E daí surge outro conselho:
Não é desejável ler todas as obras de um mesmo autor. Os editores, aproveitando a reputação de um autor clássico, publicam todas as suas produções, incluindo as mais fracas.
Estimular uma autêntica educação para a leitura. É este o desejo do autor. Nos primeiros anos escolares, diz Paul Nyssens, a língua materna, a leitura, a gramática, a ortografia e a aritmética são ensinadas pela repetição e pela intuição. Não há uma racionalidade explícita. Os professores e alunos atuam nesse primeiro momento de modo mais ou menos inconsciente. Somente no ensino superior haverá espaço para que se pergunte o porquê das coisas.

Paulo Nyssens acredita que uma vida boa, mais humana, e uma atividade profissional de sucesso dependem da escolha de nossas leituras, com base na clareza de propósitos. Seus conselhos vão nesta linha, apelando para o bom-senso do leitor. Daí não nos sugerir nenhuma lista de autores. Os critérios são gerais, e que cada qual exerça sua liberdade de leitura.

Contudo, ao citar determinados escritores, acaba indicando suas referências, certamente definidas pelo critério da "boa leitura". Mencionando Blaise Pascal, Descartes, Voltaire, inscreve-se numa tradição tipicamente francesa, com especial apreço pela lucidez mental.

Seus conselhos cartesianos são certinhos demais, adequados demais. Parecem implicâncias da vovó. Não pretendemos levá-los a sério. O que talvez seja um erro, como quando recomenda que o leitor respire profundamente durante o trabalho intelectual. Não seria, afinal, fazer uma leitura inspiradora?

Gabriel Perissé 

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