domingo, abril 17

Os 400 anos da morte de William Shakespeare e Miguel de Cervantes

William Shakespeare pôs no papel e no palco, como nenhum outro autor, a luta pelo poder e os dramas do amor. Miguel de Cervantes criou o personagem que se tornou o símbolo maior da aventura humana entre sonho e loucura. Mortos há 400 anos, os pais do teatro e da literatura modernos deixaram para nosso tempo, mais do que isso, pistas valiosas para nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Nos próximos dias, eles serão lembrados pelo público por um conjunto de obras que retrataram a tragédia e a comédia da vida.

Oficialmente, eles morreram em 23 de abril. Mas os leitores que homenagearem os dois nesse dia estarão participando, na verdade, de uma pequena ficção. Explica-se: naquela época, a Inglaterra ainda usava o calendário juliano, enquanto a Espanha já havia adotado o gregoriano, comum hoje em todo o Ocidente. Assim, o 23 de abril em que Shakespeare morreu corresponde ao nosso 3 de maio. O bardo inglês, portanto, se foi dez dias após o romancista espanhol — e ainda há a tese de que Cervantes teria morrido no dia 22. Nada que atrapalhe as celebrações, é claro, e elas já estão a todo vapor desde o início do ano pelo mundo, inclusive no Brasil. A confusão de datas, porém, acrescenta à festa uma dimensão farsesca que provavelmente divertiria os dois autores.

A diferença de calendários é também um bom lembrete da distância entre os mundos de Shakespeare — a turbulenta Inglaterra da rainha Elizabeth imersa em conspirações — e de Cervantes — a Espanha opulenta que vivia seu Século de Ouro. Apesar disso, é grande a tentação de imaginar que os gigantes das letras se conheceram, ou ao menos se leram, como mostram livros e filmes dedicados ao assunto.


A primeira hipótese, pouco provável, é tema do filme “Miguel e William”, dirigido pela espanhola Inés Paris, que será exibido dia 29 no Rio como parte dos festejos do Instituto Cervantes. A comédia romântica especula que Shakespeare, em um período pouco documentado de sua vida, na década de 1580, teria morado em Madri, conhecido o romancista e até, vá lá, disputado com ele o amor de uma mulher.

Já a hipótese de que eles se leram tem um defensor de peso, o historiador francês Roger Chartier. Especialista na história do livro e da leitura, Chartier publicou em 2011 o ensaio “Cardenio entre Cervantes e Shakespeare” (Civilização Brasileira), que investiga a relação entre os dois autores a partir de um fato curioso. A peça “A história de Cardenio”, atribuída a Shakespeare e seu colaborador John Fletcher, é protagonizada por um personagem saído das páginas de “Dom Quixote”. Cardenio é um homem amargurado que narra ao Cavaleiro da Triste Figura a desventura amorosa que o levou a ter a mulher de sua vida roubada por um figurão. A peça elimina Quixote e se concentra na história de amor.

Leia mais reportagem de Guilherme Freitas e Luiz Felipe Reis

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