Compro muitas esferográficas, cada vez mais. Mesma marca, mesmo modelo, mesma cor azul. Adquiro, em geral, uma dúzia por dia; uma grosa, quando fico muito tenso. Sempre estou tenso. Num sábado de desespero, trouxe para casa mil e duzentas. Receio que sumam do mercado. Já ameaçaram, três décadas atrás, uma quase tragédia para mim, que vivo de escrever e não suporto computador. Como passar sem elas? Jamais me adaptei a outro tipo de caneta. Tentei, é verdade, não deu certo: a inspiração desapareceu, não produzi uma linha, o pavor se instalou. Daí o apego. Devo-lhes o ofício.
Esferográficas são depósitos de ficção. Dentro das cargas há contos, poemas, novelas e romances, uns grudados nos outros, compactos, prontos. Basta um pouco de sensibilidade para enxergá-los. Cargas e obras se confundem.
Libero as histórias ao derramar sobre o papel o torvelinho de letras. A tarefa demanda paciência. É um quebra-cabeça onde peças de diferentes jogos se misturaram, o início de um ligado ao final ou ao meio de outro, com um detalhe assustador: ignoro as imagens que devo montar. Quando me perco, contemplo a tinta durante horas, busco o fio da meada lá dentro da caneta, até desemaranhar o novelo, frase por frase, vírgula por vírgula.
A coleção cresceu, absorveu meu espaço. Não posso comer, lotou a cozinha. Tampouco dormir, ocupou o quarto. A sala se reduziu ao túnel pelo qual engatinho, espremido entre milhares de caixas.
Não me vanglorio do maior estoque de ficção do mundo. Pelo contrário, temo-o. Cargas oprimem. Não suporto tanto peso.
Compro cada vez mais.
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