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É, por vezes, nas coisas mais simples – digo simples, não básicas, não são necessariamente sinónimos – onde podemos descobrir as melhores explicações para a vida. Foi precisamente dentro de um livro, a Confissão, de Lev Tolstói, que encontrei uma pequena parábola – pequenas fábulas que tanto aprecio –, com milhares de anos, do tempo ainda dos rolos do Pentateuco, e que me parece exemplar para a explicação de como é a vida. Infelizmente, também ela não explica «o porquê da vida», e tenho a ligeira suspeita de que, em toda a sabedoria humana, não a vou encontrar:
Era uma vez um viajante apanhado na estepe por uma fera enfurecida. Tentando salvar-se da fera, o viajante saltou para um poço seco, mas viu no fundo um dragão que abriu as goelas para o devorar. O desgraçado não se atrevia a saltar para o fundo do poço para ser devorado pelo dragão; então, agarrou-se aos ramos de um arbusto bravo que crescia nas fissuras do poço e ficou suspenso. As suas mãos estavam a fraquejar e sentia que em breve tinha de entregar-se à morte que o esperava dos dois lados; mas continuava a agarrar-se e, enquanto teve forças para isso, olhou em volta e viu que dois ratos, um branco e outro preto, andavam em redor do tronco do seu arbusto, roendo-o de todos os lados. A qualquer momento o arbusto ia quebrar-se e o viajante cairia nas goelas do dragão. O viajante via-o e sabia que a sua morte era iminente, mas, enquanto ainda pendia dos ramos, procurou à sua volta, encontrou nas folhas do arbusto gotas de mel, chegou a elas com a língua e pôs-se a lambê-las.Jaime Bulhosa
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