segunda-feira, novembro 26

As flores do bem

Baudelaire, como se falasse do Brasil, lembra que “A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez/ Habitam nosso espírito e o corpo viciam/ E adoráveis remorsos sempre nos saciam”. Em seu As Flores do Mal, de 1857. Marco da poesia simbolista, o livro logo foi apreendido pela censura. O autor, e seu editor, acabaram multados. E seis poemas tiveram que ser suprimidos, antes que voltasse às livrarias. Mas essa é outra história. Lembrando Baudelaire, hoje escrevo sobre flores. Do Bem. E não, como as dele, do Mal.

Uma é a Dama da Noite (Epiphyllum Oxipetalum). Gentilmente doada pelo amigo Euler Lucena. O cactácio floresce, no Nordeste, só duas vezes por ano. Às 22 horas. Para morrer três horas depois. Com forte perfume, próprio de uma dama da noite, sempre que vai abrir fazemos vigília. Em Gravatá. Sentados, à sua volta, para contemplar esse momento raro e belo da natureza. E vale a pena tanta espera. Podem acreditar.

A outra é a flor do Baobá (Adansonia Digitata). A árvore veio da África, onde é considerada sagrada. Segundo consta, vivem 6 mil anos. Embora a mais antiga, conhecida como Árvore de Grootboom, tenha chegado apenas a 1.300 (África do Sul). Cabendo hoje, essa primazia, ao Baobá de Sunland (também na África do Sul), pouco mais novo. Há muitas lendas, sobre ela. Como a de que dá só uma flor, a cada 50 anos. Minhas preferidas são a de que mortos, enterrados próximos, mantêm vivos seus espíritos enquanto ela viver. Ou a de que seus galhos são habitados por espíritos.

Em Gravatá, plantamos 13. Quase todas doadas pelo queridíssimo casal Ieda e Ernani (que Deus o tenha, comunista velho) Lemos. Como demoram 200 anos para ficar adultas, já combinei com os filhos que, daqui a dois séculos, todos vamos dar as mãos – com seus filhos, netos e sucessores – para grande abraço familiar, em volta de uma delas. Têm, hoje, cerca de 2 metros de diâmetro. Mas não param de engordar.

As flores do Baobá têm cheiro de carniça, mas quem se preocupa com isso? “Seu perfume exala o medo”, como nas flores de Baudelaire. Uma delas abriu esta semana. E, como duram só 24 horas, fomos testemunhar. Dia seguinte, já estava morta. A vida é mesmo “perto e breve”, como uma vez me disse Millor. Veio, em seu lugar, o fruto. O Mucua. Uma cápsula seca usada como alimento. Da França, trouxe uma espécie diferente – nomeada, pelos vendedores, comoBaobá de Apartamento; que cresce em jarros e vai até, no máximo, dois metros. Quem passar na rua onde moro poderá vê-la, do meu lado, no escritório em que todas as noites escrevo. Como se fôssemos cúmplices. E, de alguma forma, somos. Na crença, ou ilusão, da permanência.

Valendo ainda lembrar O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry. Em que está, parecendo certos personagens da vida pública brasileira, que “Para reis, o mundo é muito simples. Todos os homens são súditos”. No livro, o narrador descreve acidente que fez seu avião cair no Deserto do Saara. E, lá, encontrou menino com cabelos de ouro e um cachecol amarelo, habitante de planeta (ou asteroide) onde criava baobás. A árvore do Pequeno Príncipe é um Baobá!!!

O que poucos sabem é que, provavelmente, tudo começou quando seu autor, Saint-Exupéry, entre 1929 e 1930, trabalhava na Companie Generale Aéropostale. Fazendo, como piloto de avião, rota que incluía Natal e Recife. Era conhecido aqui, pela dificuldade na pronúncia do nome, como Zé Perrí. E viu centenário Baobá na Rua São José (Natal), em terreno depois adquirido por Diógenes da Cunha Lima. Só para garantir que não fosse um dia derrubado. E também viu, encantado, o enorme exemplar que fica em frente ao nosso Palácio do Campo das Princesas. O Baobá do Pequeno Príncipe, quem sabe?, talvez seja o do Recife.
 

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