sexta-feira, maio 16

Um palácio noite adentro

Sem nunca antes ter desejado uma casa, aquele homem surpreendeu-se desejando um palácio. E o desejo que tinha começado pequeno rapidamente cresceu, ocupando todo o seu querer com cúpulas e torres, fossos e porões, e imensas escadarias cujos degraus se perderiam na sombra, ou no céu.

Mas como construir um palácio quando se é apenas um homem sem nada de seu?

— Bom seria se eu pudesse construir um palácio de água, fresco e cantante, pensou o homem caminhando à beira do rio.

Ajoelhando-se, meteu as mãos na correnteza. Mas a água continuou sua viagem, sem que os dedos fossem suficientes para retê-la. E o homem levantou-se e continuou andando.

— Bom seria se eu pudesse construir um palácio de fogo, luminoso e dançante, pensou mais tarde o homem, diante da fogueira que tinha acendido para se aquecer.


Mas ao estender a mão para tocar a labareda, queimou os dedos. E percebeu que, mesmo que conseguisse construí-lo, jamais poderia morar dentro dele.

Talvez porque o fogo fosse quente como o sol, pareceu-lhe rever-se menino, à beira-mar. E, com a lembrança, vieram os lindos castelos de areia que construía. Agora, o mar estava longe. Porém o homem levantou-se e caminhou, caminhou, caminhou. Até chegar ao deserto. Onde mergulhou as mãos na areia e, com seu suor, começou a empastá-la.

Desta vez, largos muros ergueram-se, dourados como pão. E uma escada que levava ao topo, e um terraço que coroava a escada, e colunas que sustentavam o terraço. Mas ao entardecer o vento acordou, e com sua língua macia começou a lamber a construção. Levou os muros, desmanchou o terraço, esfarelou as colunas que o homem nem tinha acabado de fazer.

— De fato — pensou o homem paciente —, é preciso coisa mais duradoura para se fazer um palácio.
Abandonou o deserto, atravessou a planície, escalou uma montanha. No topo, sentou-se. E em voz alta começou a descrever o palácio que via na imaginação.

Saídas da sua boca, as palavras empilhavam-se como tijolos. Salões, pátios, galerias surgiam aos poucos no alto da montanha, rodeados pelos jardins das frases. Mas não havia ninguém para ouvi-lo. E quando o homem, cansado, calou-se, a rica arquitetura pareceu estremecer, desbotar. No silêncio, aos poucos se desfez.

Era dia ainda. Esgotados todos os recursos, ainda assim não se esgotava o desejo. Então o homem deitou-se, cobriu-se com o capote, amarrou sobre os olhos o lenço que trazia o pescoço. E começou a sonhar.

Sonhou que arquitetos lhe mostravam projetos em rolos de pergaminho. Sonhou-se estudando os projetos. Depois sonhou os pedreiros que talhavam pedras nas pedreiras, os lenhadores que abatiam árvores nas florestas, os oleiros que punham os tijolos para secar. Sonhou o cansaço e os cantos de todos aqueles homens. E sonhou as mulheres que assavam pão para eles.

Em seguida sonhou as fundações sendo plantadas na terra. E o palácio saindo do chão como uma árvore, crescendo, enchendo o espaço do sonho com suas cúpulas, seus minaretes, suas centenas e centenas de degraus. Sonhando, ainda viu a sombra do seu palácio desenhar outro palácio sobre as pedras. Só aí acordou.

Olhou a lua no alto, sem saber que ela já tivera tempo de levantar-se e deitar-se mais de uma vez. Olhou ao redor. Continuava sozinho, no topo da montanha ventosa, ao desabrigo. Não habitava no palácio. Mas o palácio, grandioso e imponente como nenhum outro, habitava nele, para sempre. E talvez, navegasse silencioso, noite adentro, rumo ao sonho de outro homem.

Marina Colasanti

Nenhum comentário:

Postar um comentário