A primeira vez que vi o Jaguar foi, não estou muito certo, tomamos dúzias de Steinhager naquele dia, em meados dos anos 1970, e ele estava no boteco alcunhado de Cabaré dos Bandidos. Tirem as crianças e os politicamente da sala, mas é preciso dizer que degustávamos nacos de cobra no tal estabelecimento de nome gracioso, situado no mais aprazível ainda município de Duque de Caxias. Foi no tempo em que o xerife local era o deputado Tenório Cavalcanti, aquele que levava embaixo da capa de gângster uma metralhadora por ele próprio apelidada de Lurdinha, homenagem fofa a uma amante.
Jaguar assinava no Pasquim duas páginas com o título de BIP-BIP, abreviatura para “Busca Insaciável do Prazer”. Era uma paródia ao Jornal do Brasil, que servia uma página de gastronomia assinada pelo Apícius, vulgo do jornalista e crítico de arte Roberto Marinho de Azevedo. Apícius citava Eça de Queirós para comentar as mesas cariocas e tinha um conceito de gastronomia bem diverso do de Jaguar – preferia os pratos franceses e os vinhos idem. Jamais saiu dos restaurantes da Zona Sul.
No Pasquim, em texto de primeiríssima qualidade, Jaguar oferecia um cardápio de delícias naquele momento ainda não catalogadas como tal e que ele garimpava nos lugares mais improváveis. Zero de preconceito. Quando fomos ao Cabaré dos Bandidos, essas questões de meio ambiente, de preservação das espécies, nada disso era pautado como preocupação das pessoas de bem. Primava acima de tudo o salve-o-prazer, a dentada sem compostura numa carne deliciosa qualquer – e foi o que fizemos.
A especialidade da casa era a de cobra – e a propósito, a gentil senhora que nos serviu o pasto mantinha o pescoço adornado por uma delas, como se fosse um cachecol tropical. Era uma cobra viva, acho que uma falsa coral, e ela, a cobra, funcionava como uma espécie de anfitriã, sempre olhando os comensais de frente, linguinha saliente como se dissesse um interminável “welcome, darling”.
Eu não me lembro que tipo cobra comemos, acho que uma jiboia, mas era frita, servida com arroz e feijão. Infelizmente, o Cabaré dos Bandidos já estava fechado quando, mais adiante, Jaguar publicou “Confesso que bebi – Memórias de um amnésico alcoólico”, um livro fundamental para a história da cultura popular a partir dos bares cariocas – e me chamou para fazer o prefácio, que intitulei “Steinhager & Steinberg”.
São textos primorosos, acompanhados do traço idem. Depois de um rolê na Bangladesh, aquelas ruas ao redor da Central do Brasil, Jaguar lamentava o fim do boteco com serragem no chão, e dava um cascudo no Patrimônio Histórico. O livro tem ovo cor de rosa, traçado de quinado com jurubeba, muita alegria de viver e boas histórias. De uma noite no Petisco da Vila, regalando-se com croquetes de carne, ele anotou de Perna, bamba do bairro, a frase que o filósofo Confúcio, se tivesse a inteligência de um bom bêbado carioca, assinaria: “Barata não atravessa galinheiro”.
Deixo aqui, ao pé do balcão, molhando a serragem, o primeiro gole para o santo Jaguar.
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