Mal começara o mês de maio. Depois de algumas semanas frias e úmidas, aparecera um veranico falaz. O Englischer Garten, escassamente frondoso, estava abafado como se já fosse agosto. As proximidades da cidade pululavam de veículos e transeuntes. Perto do Aumeister, para onde o haviam conduzido veredas cada vez mais solitárias, Aschenbach ficara durante algum tempo a contemplar o animado ambiente do jardim do restaurante, ao lado do qual estacionavam vários landaus e fiacres. Ao pôr do sol, afastara-se do local, a fim de regressar pelo lado de fora do parque, através dos campos abertos. No entanto sentia-se cansado, e como na direção de Föhring se avistassem prenúncios de temporal, estacou junto ao Cemitério Norte para aguardar o bonde que o levasse diretamente ao centro.
Casualmente não havia ninguém, nem na parada nem nos arredores. No asfalto da Ungererstrasse, cujos trilhos vazios e brilhantes se estendiam até o bairro de Schwabing e também na estrada de Föhring, não se via carro algum. Nada se mexia atrás das cercas das marmorarias, onde cruzes, placas e monumentos sepulcrais se ofereciam aos compradores, formando um segundo campo-santo, por ora desabitado. A capela mortuária, de estilo bizantino, erguia-se, silenciosa, ao arrebol do dia que findava. Sua frontaria enfeitada de cruzes gregas e pinturas hieráticas de cores claras ostentava, além disso, inscrições simetricamente distribuídas, que apresentavam em letras douradas uma seleção de versículos bíblicos relacionados com a vida do além, tais como “Eles entrarão na casa de Deus” ou “Oxalá os ilumine a luz eterna!”. Durante alguns minutos de espera, o escritor passou austeramente o tempo com a leitura dessas frases, permitindo que o seu espírito se entregasse àquele misticismo translúcido. Mas, ao se arrancar de seus devaneios, deparou subitamente, no pórtico, logo acima dos dois animais apocalípticos que vigiavam a escadaria, com um homem cuja aparência invulgar deu rumos completamente diversos aos seus pensamentos.
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