O escritor belga Emile Verhaeren – Théo Van Rysselberghe |
Aprendi que o ato de escrever é uma sequela do ato de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor depois as nossas próprias palavras.
Aprendi que, quando se começa, plagiar não faz mal nenhum. Copiei descaradamente muitos escritores, Monteiro Lobato, Viriato Correa e outros. Não se incomodaram com isto. E copiar me fez muito bem.
Aprendi que, quando se começa a escrever, sempre se é autobiográfico, o que – de novo – não prejudica. Mas os escritores que ficam sempre na autobiografia, que só olham para o próprio umbigo, acabam se tornando chatos.
Aprendi que, para aprender a escrever, tinha de escrever. Não adiantava só ficar falando de como é bonito (...)
Aprendi que uma boa ideia pode ocorrer a qualquer momento: conversando com alguém, comendo, caminhando, lendo (e, segundo Agatha Christie, lavando pratos).
Aprendi que uma boa ideia é realmente boa quando não nos abandona, quando nos persegue sem cessar. O grande teste para uma ideia é tentar se livrar dela. Se veio para ficar, resiste ao sono, ao cansaço, ao cotidiano, é porque merece atenção.
Aprendi que aeroportos e bares são grandes lugares para se escrever. O bar, por razões óbvias; o aeroporto, porque neles a vida como que está em suspenso. Nada como uma existência provisória para despertar a inspiração literária.
Aprendi que as costas do talão de cheque é um bom lugar para anotar ideias (é por isso que escritor tem de ganhar a grana suficiente para abrir uma conta bancária). O guardanapo do restaurante também serve, desde que seja de papel e não de pano. (...)
Aprendi que o computador é um grande avanço no trabalho de escrever, mas tem um único inconveniente: elimina os originais, os riscos, os borrões, e portanto a história do texto, a qual – como toda história – pode nos ensinar muito.
Aprendi que a mancha gráfica representada pelo texto impresso diz muito sobre este mesmo texto. As linhas não podem estar cheias de palavras; o espaço vazio é tão eloquente quanto o espaço preenchido pela escrita. O texto precisa respirar, e quando respira, fica graficamente bonito. Um texto bonito é um texto bom.
Aprendi a rasgar e jogar fora. Quando um texto não é bom, ele não é bom - ponto. Por causa da autocomiseração (é a nossa vida que está ali!) temos a tentação de preservá-lo, esperando que, de forma misteriosa, melhore por si. Ilusão. É preciso ter a coragem de se desfazer. A cesta de papel é uma grande amiga do escritor. (...)
Aprendi a não ter pressa de publicar. Já se ouviu falar de muitos escritores batendo aflitos, à porta de editores. O que é mais raro, muito mais raro, são os leitores batendo à porta do escritor.
Aprendi a não reler meus livros. Um livro tem existência autônoma, boa e má. Não precisa do olhar de quem o escreveu para sobreviver.
Aprendi que, para um escritor, um livro é como um filho, mas que é preciso diferenciar entre filhos e livros.
Aprendi que terminar um livro se acompanha de uma sensação de vazio, mas que o vazio também faz parte da vida de quem escreve.
Aprendi que há uma diferença entre literatura e vida literária, entre literatura e política literária. Escrever é um vício solitário.
Aprendi a diferenciar entre o verdadeiro crítico e o falso crítico. O falso crítico não está falando do que leu. Está falando dos seus próprios problemas.
Aprendi que, para um escritor, frio na barriga ou pelos do braço arrepiados são um bom sinal: um livro vem vindo aí.
Moacyr Scliar
Nenhum comentário:
Postar um comentário