O carro seguia o seu caminho, célere, correndo macio sobre o asfalto da praia de Botafogo. O homem olhou o mar, a claridade feriu‑lhe a vista. Desviou‑a. Acendeu um cigarro e deixou‑o esquecido no canto dos lábios, de raro em raro puxando uma tragada.
Ajudar o homem que chorava, perguntar‑lhe por quê, distraí‑lo. Pensei em puxar conversa e senti‑me um intruso. Demonstrando saber que ele chorava, talvez o fizesse parar. Mas como agir, se ele parecia ignorar a todos, não ver ninguém? Ajudar era difícil, distraí‑lo também. Quanto a perguntar‑lhe por que chorava, não me pareceu justo. Ou, pelo menos, não me pareceu honesto. Um homem como aquele, que mantinha tanta dignidade, mesmo chorando, devia ser um homem duro, cujas lágrimas são guardadas para o inevitável, para a saturação do sofrimento, como um derradeiro esforço para amenizar a amargura.
Lembrei‑me da pergunta que uma pessoa curiosa fez há muito tempo. Queria saber se eu já havia chorado alguma vez. Respondi‑lhe que sim, que todo mundo chora, e ela quis saber porquê. Tentando satisfazer a sua curiosidade, descobri que é mais fácil a gente explicar por que chora quando não está chorando.
— Um homem que não chora tem mil razões para chorar — respondi.
O amigo perdido para nunca mais; o que poderia ter sido e que não foi; saudades; mulher, quando merece e, às vezes, até sem merecer; há quem chore por solidariedade.
O homem ao meu lado acende outro cigarro, dá uma longa tragada e joga‑o pela janela. Passa a mão no queixo, ajeita os cabelos. Já não chora mais, embora seu rosto másculo revele ainda um sentimento de dor.
Em frente à casa de flores, faz sinal para o ônibus parar. É também o lugar onde devo desembarcar e — mais por curiosidade do que por coincidência — seguimos os dois quase lado a lado. Na calçada, faz meia‑volta, caminha uma quadra para trás, e entra na mesma casa de flores por onde passáramos há pouco.
Disfarçadamente entro também e finjo‑me interessado num buquê de crisântemos que está na vitrina. Sem dar pela minha presença, dirige‑se ao florista e pede qualquer coisa que não consegui perceber o que era. O florista aponta‑lhe um grande vaso cheio de rosas e ele, ao vê‑las, quase sorri. Depois escreve umas palavras num cartão, entrega‑o ao florista, quando este lhe pergunta se não estará lá para ver a coroa. O homem balança a cabeça devagar e, antes de sair, diz:
— Eu já chorei bastante…
E acrescenta:
— … felizmente!
Sérgio Porto (Manchete, 25/09/1954 )
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