Não sei que diploma ostenta na sala esse fenômeno, mas ele deve ter um. Um ou mais, a julgar pelas palavras que o ouvi pronunciar diante dos abacaxis madurinhos que exibia numa calçada da Avenida do Cursino e pretendia vender a um homem que, apesar do calor, estava de chapéu e casaco.
Eu tinha passado por sua tendinha improvisada, porque nem ele nem os abacaxis me haviam chamado particularmente a atenção, quando o vento trouxe a mim este final de frase:
“… meramente circunstancial…”
Qualquer dessas palavras, sozinha, já me faria parar, como parei, espantado. As duas, juntas, provocaram em mim alguma coisa parecida com estupor. Olhei de longe para o homem a quem haviam sido ditas, mas ele não parecia espantado como eu. Pensei, então, que tudo tivesse sido uma brincadeira de minha imaginação e resolvi caminhar para casa. Ainda fui alcançado por outro final de frase:
“… uma perfeita síntese da modernidade.”
Olhei para trás. O interlocutor ainda era o senhor empertigado de chapéu e casaco. Ele continuava ali, completamente imóvel como estava um minuto antes, e o pensamento que me ocorreu pode parecer absurdo agora, mas não o achei despropositado naquele momento: aqueles termos extravagantes, saídos dos lábios de um vendedor de abacaxi, tinham transformado o freguês em estátua.
Antes que mais duas ou três daquelas inacreditáveis expressões me imobilizassem também, tratei de me afastar. Uma ideia me veio e quase eu a disse em voz alta, como um desagravo: o que esses Estados Unidos pensam que são?
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