Para fazê-la por inteiro, preciso voltar quarenta anos no tempo, até a época em que nossas vidas se sobrepunham de um modo feliz e perfeito, parecendo fadadas a correr em paralelo rumo a um futuro compartilhado. Frequentamos a mesma universidade, fizemos o mesmo curso — literatura inglesa —, publicamos nossos primeiros contos em revistas estudantis com nomes como Faca em seu olho. (Afi - nal, onde iam buscar nomes como esses?) Éramos ambiciosos. Queríamos ser escritores, escritores famosos, até mesmo grandes escritores. Viajávamos juntos nas férias e líamos os contos um do outro, fazíamos comentários impulsivamente honestos, transávamos com as namoradas um do outro e, talvez mais de uma vez, tentamos atrair um ao outro para um relacionamento homoerótico. Atualmente sou gordo e careca, mas naquela época tinha cabelos encaracolados e era esbelto. Gostava de pensar que me parecia com Shelley. Jocelyn era alto, louro e musculoso, com um queixo bem definido, a imagem escrita e escarrada do Übermensch nazista. Mas ele não tinha o menor interesse por política. Nosso relacionamento não passava de uma pose de jovens metidos a boêmios. Achávamos que aquilo nos tornava fascinantes.
terça-feira, julho 10
Assim começa o livro...
Você terá ouvido falar de meu amigo Jocelyn Tarbet, um romancista que já foi célebre, mas cuja fama, assim suspeito, começou a declinar. O tempo pode ser cruel em matéria de reputação. Em sua lembrança, ele provavelmente está associado a um escândalo e a um ultraje já quase esquecidos. Você não teria ouvido falar de mim, o então obscuro romancista Parker Sparrow, até o meu nome ser publicamente vinculado ao dele. Para um grupelho de entendidos, nossos nomes continuam firmemente relacionados, como as duas extremidades de uma gangorra. Sua ascensão coincidiu com meu declínio, embora sem tê-lo causado. Depois, sua queda foi acompanhada por meu triunfo na batalha de todos os dias. Não nego que houve desonestidade. Roubei uma vida e não tenciono devolvê-la. Você pode tratar as poucas páginas que se seguem como uma confissão.
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