Após meia década de crise, o mercado editorial brasileiro deve enfrentar em 2020 o seu pior ano, segundo as estimativas de livrarias e editoras de diferentes portes. Todas elas têm sofrido com a queda nas vendas — em alguns casos superiores a 90% — em decorrência do fechamento das livrarias e da expectativa de uma nova recessão econômica diante da pandemia do coronavírus.
A queda nas vendas e a falta de perspectiva econômica puseram em lados opostos parte dos livreiros e dos editores. Na última quarta-feira o grupo Juntos pelo Livro, que reúne 102 editoras de diferentes portes, publicou uma carta aberta em resposta aos “comunicados de diversas redes de livrarias e distribuidores nos últimos dias, informando-nos unilateralmente sobre suspensões de pagamentos por tempo indeterminado, prorrogações de prazos de pagamentos para faturas vencidas ou vincendas, ou, ainda, de suspensões de envios de acertos de consignação igualmente sem previsão de retomada.” Entre as livrarias citadas pelo site PublishNews estavam a Livraria da Vila, a Blooks e a Leonardo Da Vinci, além das redes Saraiva e Cultura, em recuperação judicial.
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Ahmedabad (Índia) |
Segundo Luiz Fernando Emediato, dono da Geração Editorial, a carta pública foi decidida após uma reunião de emergência feita no domingo. O editor afirma que a intenção das editoras signatárias é receber os valores referentes às vendas realizadas antes do fechamento das lojas:
— Até março eles têm que pagar, porque receberam. De agora em diante nós vamos negociar. O que não se pode admitir é um e-mail avisando "por causa da pandemia vamos suspender os pagamentos”.
A carta pública – e a citação das livrarias – incomodou parte dos livreiros.
— Me parece equivocado colocar livrarias pequenas no mesmo balaio de grandes redes devedoras ou empresas com capacidade financeira. A Da Vinci, especificamente, pediu apenas uma coisa: que seus atrasos no pagamento não fossem protestados tendo em vista uma situação inédita na história. Não falamos em não enviar acertos ou qualquer outra coisa — afirma Daniel Louzada, dono da Livraria Da Vinci.
Presente nos cinemas de rua, a Blooks está com cinco de suas seis lojas fechadas desde o sábado retrasado, junto do fechamento dos teatros e salas de cinema. No final da semana passada, sua loja no shopping Frei Caneca, em São Paulo, também fechou. A proprietária, Elisa Ventura, afirma que seu faturamento caiu a zero nas duas últimas semanas.
— A gente tem uma loja online muito limitada. A gente está atendendo três vendas por dia — diz Elisa.
Ela afirma que, embora sua prioridade seja o pagamento dos 25 funcionários (em férias coletivas), seu objetivo é renegociar com os fornecedores:
— Ninguém está propondo dar calote. Estou pedindo um pouco de calma. Minha receita virou zero.
Samuel Seibel, presidente da Livraria da Vila, afirmou que “em nenhum momento falamos em suspensão de pagamento”:
— Temos feito contato com nossos fornecedores para tratar de reprogramação destes pagamentos. Sempre fomos e continuaremos a ser parceiros das editoras.
A “da Vila” tem, agora, buscado uma nova estratégia para o comércio digital – o seu foco sempre foram as lojas físicas –, com sugestões de livros feitas por seus livreiros.
O cenário não é melhor para outras livrarias, como a Argumento, do Rio de Janeiro. Com as duas lojas fechadas – no Leblon e na Barra da Tijuca – a livraria tem realizado vendas de livros pedidos via WhatsApp.
— Realizamos mais ou menos 10 vendas por dia. Cada venda tem sido de 5 a 8 livros. – afirma Marcus Gasparian, um dos sócios da Argumento, e também responsável pela entrega dos livros. O número representa 10% de seu faturamento anterior.
A Livraria da Travessa – que vinha em um projeto de expansão, com a abertura de uma unidade em São Paulo, em Lisboa e a construção de outra em Niterói – está fechada desde a última quinta-feira, mantendo apenas o site, responsável por 15% de suas vendas, em funcionamento.
Para o proprietário da rede, Rui Campos, o momento é de negociação.
— Como o governo vai se comportar em termos de apoio, redução de encargos, como vai ser a relação com senhorios, como os shoppings vão lidar com seus lojistas? Tudo isso a gente vai ter que negociar — afirma. — Da mesma forma que a gente tem que focar nosso esforço em manter as lojas abertas e manter os funcionários, os editores têm que fazer esse esforço de fazer o mercado livreiro funcionando.
A Janela Livraria, inaugurada no início de março no Rio de Janeiro com a proposta de ser uma livraria de rua, também parou suas atividades e estuda alternativas para manter-se.
— Mantivemos a inauguração [em 13 de março], mas percebemos logo no início da semana que a livraria-café virou um lugar que atraía as pessoas para fora de casa. Diante da velocidade dos acontecimentos, qual o sentido de ficar abertos? – afirma Letícia Bosisio, uma das proprietárias da livraria.
O editor e livreiro Alexandre Martins Fontes, dono da livraria Martins Fontes – com duas lojas em São Paulo – e da editora WMF Martins Fontes, tem se equilibrado entre os dilemas dos dois lados do setor.
— Como editor passei a receber comunicados, telefonemas das principais livrarias brasileiras pedindo uma prorrogação do prazo de pagamento. Não tenho outra opção a não ser concordar com esse pedido. Do lado do livreiro, nós fizemos uma seleção das principais editoras e estamos pedindo uma prorrogação do prazo de pagamento. — afirma Fontes, que pretende, até onde for possível, manter o pagamento das pequenas editoras.
Com o fechamento das lojas na última quinta-feira – uma delas na avenida Paulista – Fontes ficou sem 70% do seu faturamento. Pretende investir na venda pela internet.
— Vamos fazer um trabalho mais agressivo de vendas especiais, de acordos especiais com as editoras.
No entanto, reconhece que o cenário é pouco promissor, diante da recessão que se avizinha. No primeiro final de semana as vendas pela internet caíram em torno de 10%.
Nesse contexto, a Amazon Brasil enviou, na quarta-feira, um e-mail a uma série de editoras estabelecendo uma taxa “Covid-19” com uma nova tabela de descontos pelo pagamento antecipado dos livros adquiridos das editoras. Até então, a varejista descontava de 2% a 8% do valor a ser pago às editoras, conforme a quantidade de dias antecipados. Agora, propõe, pelos dias antecipados, taxas que vão de 0,5% a 2% “por tempo indeterminado”.
Procurada, a Livraria Cultura não retornou à reportagem. A Saraiva afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “não irá se posicionar”.
A Companhia das Letras pretende dar auxílio aos pequenos livreiros, recebendo pedidos de livros do Grupo e remetendo-os aos clientes.
— É nossa obrigação tentar dar apoio à cadeia livreira – afirma Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras.
O grupo anunciou neste mês o cancelamento de todos os lançamentos previstos para o mês de abril e trabalha na expectativa de cancelar também os lançamentos de maio. Mesmo diante das incertezas, a Companhia das Letras não pretende lançar apenas em e-book os livros previstos.
— Achamos que é ruim para a obra e para o autor ter o livro lançado somente em e-book – diz Costa.
A Todavia, por sua vez, além de cancelar os lançamentos previstos para abril, reduziu os lançamentos de maio e junho de seis para dois livros a cada mês. E tem investido tanto no formato e-book – até 31/3 os e-books da editora estão com desconto de até 70% - quanto nas vendas de livros pelo site da editora, também com desconto. Ainda assim, a editora prospecta um cenário de “queda drástica” nas vendas.
— [A gente não sabe] se vai haver uma migração grande para o on-line ou se o off-line vai sofrer muito, porque depende de correio, estoque — afirma Flávio Moura, um dos sócios da Todavia.
A Globo Livros tem trabalhado com foco no comércio online, para estimular o consumo de livros e para ampliar a venda de e-books.
— Vamos focar em títulos cujo leitor clássico é adepto de compras pela internet — afirma o diretor Mauro Palermo.
A editora não pretende alterar a quantidade de livros a serem lançados em 2020 — num cenário de fechamento das livrarias por dois ou três meses.
— Vamos adiar por tempo indeterminado o lançamento de títulos que apresentem como público alvo leitores mais reativos à compra pela internet.
A Carambaia cancelou seus lançamentos para abril, maio e junho. Ainda assim, mantém alguns livros em produção.
— A partir do momento em que os livros estiverem prontos a gente espera o que vai acontecer – diz Fabiano Curi, diretor editorial da Carambaia.
A editora tem no comércio digital uma fonte importante de faturamento — entre 60% e 65% de suas vendas são pela internet — mas não espera que haja um crescimento nas vendas pelo e-commerce.
— Essa visão é otimista demais. A gente está vendendo em torno de 15%, 20% do que normalmente a gente vende. Não acredito que esse número vá mudar — afirma Curi.
Nesta sexta-feira (27), o Sindicado Nacional dos Editores de Livros (SNEL), a Associação Brasileira de Livrarias (ANL), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros) enviaram, em conjunto, ofícios ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao presidente do BNDES, Gustavo Montezano, solicitando medidas de auxílio ao setor. Entre os pedidos de livreiros e editores, estão a abertura de linhas de crédito em bancos públicos, a prorrogação do pagamento de impostos por 180 dias e a manutenção dos programas governamentais de aquisição de livros.
— O BNDES já sinalizou linhas de créditos para micro, pequenas e médias empresas. Temos uma oportunidade histórica, porque os juros nunca estiveram tão baixos. Editores e livreiros precisamos buscar crédito e financiamento, ser pró-ativos — diz Marcos da Veiga Pereira, editor da Sextante e presidente do SNEL. — Comunicar aos editores a suspensão dos pagamentos foi uma reação de desespero dos livreiros, foi a primeira reação de quem teve que fechar a loja e viu sua receita cair a zero de um dia para o outro. Não é hora de de botar a faca no pescoço de ninguém, não vai adiantar nada. O que precisamos agora é fazer uma grande renegociação. Meu recado é: vamos buscar crédito e financiamento para voltar aos negócios.Danilo Thomaz