Seria necessária uma viagem mais longa: e ver Paris, Roma, Londres? Útil, talvez, necessário, certamente que não. A Torre Eiffel, o Coliseu e a catedral de Westminster talvez me irritassem. O homem reage muito diante da celebração do cimento e da alvenaria. A estátua e o túmulo me dão, por exemplo, uma certa preguiça e isto se justifica no que já disseram muitas vezes: o melhor espetáculo para o homem ainda é o próprio homem. Aqui, por exemplo, neste banco de jardim, procuro ao redor de mim mesmo e encontro uma cena que agrada ver e sentir. Um moço veste camisa de meia marrom e está em pé na ponta da calçada.
Uma moça veste azul e está sentada noutro banco, com um lenço cor-de-rosa na mão. Ele lhe dá um sorriso quase tão sórdido quanto o de Clark Gable e ela faz com os olhos que também está querendo. Imediatamente, sentam-se e se abraçam tanto que, de dois que foram, parecem um só. É-lhes indiferente a minha presença e os seus afetos são tantos que, descrevê-los, seria trair a cumplicidade que eles me ofereceram. Onde, diante do monumento erigido em memória de quem, podia eu ― um coitado ― encontrar espetáculo mais belo? As areias da Líbia, os Alpes, o Arco do Triunfo, a catedral de São Pedro, nada disso seria capaz de me tomar e me empolgar tanto. Nessa paz que se engalfinhou, a gente descobre que a humanidade não é tão covarde, tão desfibrada, quanto pretendem insinuar os governos através de suas secretarias de Segurança Pública e esta, por sua vez, através de seus tiras. Deixem o ser humano mais livre, não o ameacem, não lhe exibam tantos róis de deveres e ele será mais santo.
Lembro-me de que, amanhã, tenho que escrever 14 laudas e pedir dois favores. Tudo isto é excessivo e injusto. Um cidadão como eu, já gordo e já careca, devia merecer, ao menos, uma véspera tranquila. Aqui no meu banco ― este começo de frase bem podia valer pela sua primeira e mais feliz significação ― estou entregue a uma porção de conjecturas inúteis, mas, até certo ponto, divertidas. Não custava nada que, amanhã, não houvesse hora para acordar, para entregar a tarefa, para vestir o terno completo: não existisse, enfim, relógio pra nada. Mas, não. Se eu fizer corpo mole, o telefone vai chamar. E tenho ― o que é degradante ― que aturar Tenório, em duas ou três primeiras páginas dos jornais, fazendo olhares, dizendo inutilidades e ― o que é pior ― vestindo aquele chambre de bolinhas, que merecia passar dois dias na lavanderia. Não é possível evitar os relógios, os telefones, as celebrações malfelizes. Se ao menos houvesse a esperança de evitar-me um pouco!
As folhas mortas caíram das árvores e o vento as arrasta pela calçada. (Gostaria de segurá-las). Um guarda noturno, que só tem de desumano a farda e o "casse-tête", vem andando devagar e, ao passar pela luz, mostra um rosto amargurado. Temo pelos dois namorados, que continuam em clinche, a dois bancos do meu. Mas, o guarda passa, sem dar a mínima importância. A miséria, quando transformada em ação permanente, vai, aos poucos, tornando os policiais menos arrogantes. Meu banco da praça, voltarei uma dessas noites, para conversar contigo.
Antônio Maria, "Pernoite"
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