Domingueira carnavalesca de vasculhar velhos alfarrábios e antigas revistas. Encontrar amigos perdidos em estantes e gavetas, tirar o pó do esquecimento e por a conversa em dia. E há sempre encontro oportuno como o texto (abaixo) inédito em livro, escrito pelo cronista Rubem Braga (1913-1990) e publicado há 50 anos na revista Leitura (outubro/1958). Uma raridade e um enorme prazer.
Um livro
Então lhe aconteceu parar diante de uma grande vitrina de livraria. Parou de um modo quase mecânico, fatigado de ter caminhado tanto tempo pelas ruas do centro: e atraído pelos títulos. Lembrou-se que antigamente freqüentava livrarias; sabia as novidades que chegavam da Europa, encomendava livros de que via notícias em revistas estrangeiras, vasculhava lentamente os "sebos", horas e horas, escolhendo pequenas brochuras encardidas que o interessavam. E se lembrou do estranho fascínio que subitamente exerciam sobre ele certos assuntos - por exemplo, da impaciência dolorosa com que esperou ter dinheiro suficiente para comprar aquele grosso livro francês sobre hereditariedade, que folheava de vez em quando e namorava todos os dias.
Eram gostos arbitrários, que duravam semanas ou meses, e variavam de história das religiões a livros de aventuras polares. Várias vezes formou pequenas bibliotecas absurdamente variadas que ia dispersando ao sabor de suas mudanças e viagens. E quando distribuía esses livros por amigos ocasionais, na hora de arrumar a mala, sentia um grande prazer em se desfazer deles e de tudo o mais que possuía, de sair outra vez para outra cidade qualquer com sua pequena mala de poucas roupas, leve e livre.
Nunca aprendeu nada a rigor: acumumulava noções úteis e inúteis sobre mil coisas, guiado apenas pelo capricho e pela curiosidade. Mas a verdade é que uma parte de sua vida estava nos livros, nos horizontes que eles abriam na vaga esperança de achar neles um caminho ou inspiração para não sabia o quê. E agora reparava - só agora reparava - que no turbilhão medíocre de sua vida que ia passando, ele se afastara dos livros como quem insensivelmente vai deixando velhos amigos.
E agora ali, diante da vitrina cheia de novidades, e alguns antigos livros raros, sentiu uma vontade de comprar muitos volumes, de fugir para alguma casa do interior com longas tardes sossegadas, e passar os dias longe da vida, lendo, sem pensar mais nada.
Mas a ideia de comprar trouxe-lhe a ideia de dinheiro: pensou em duas dívidas desagradáveis, e saiu andando com uma espécie de raiva humilde, que era uma espécie de resignação.
Então lhe aconteceu parar diante de uma grande vitrina de livraria. Parou de um modo quase mecânico, fatigado de ter caminhado tanto tempo pelas ruas do centro: e atraído pelos títulos. Lembrou-se que antigamente freqüentava livrarias; sabia as novidades que chegavam da Europa, encomendava livros de que via notícias em revistas estrangeiras, vasculhava lentamente os "sebos", horas e horas, escolhendo pequenas brochuras encardidas que o interessavam. E se lembrou do estranho fascínio que subitamente exerciam sobre ele certos assuntos - por exemplo, da impaciência dolorosa com que esperou ter dinheiro suficiente para comprar aquele grosso livro francês sobre hereditariedade, que folheava de vez em quando e namorava todos os dias.
Eram gostos arbitrários, que duravam semanas ou meses, e variavam de história das religiões a livros de aventuras polares. Várias vezes formou pequenas bibliotecas absurdamente variadas que ia dispersando ao sabor de suas mudanças e viagens. E quando distribuía esses livros por amigos ocasionais, na hora de arrumar a mala, sentia um grande prazer em se desfazer deles e de tudo o mais que possuía, de sair outra vez para outra cidade qualquer com sua pequena mala de poucas roupas, leve e livre.
Nunca aprendeu nada a rigor: acumumulava noções úteis e inúteis sobre mil coisas, guiado apenas pelo capricho e pela curiosidade. Mas a verdade é que uma parte de sua vida estava nos livros, nos horizontes que eles abriam na vaga esperança de achar neles um caminho ou inspiração para não sabia o quê. E agora reparava - só agora reparava - que no turbilhão medíocre de sua vida que ia passando, ele se afastara dos livros como quem insensivelmente vai deixando velhos amigos.
E agora ali, diante da vitrina cheia de novidades, e alguns antigos livros raros, sentiu uma vontade de comprar muitos volumes, de fugir para alguma casa do interior com longas tardes sossegadas, e passar os dias longe da vida, lendo, sem pensar mais nada.
Mas a ideia de comprar trouxe-lhe a ideia de dinheiro: pensou em duas dívidas desagradáveis, e saiu andando com uma espécie de raiva humilde, que era uma espécie de resignação.
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