De minha mãe não herdei joias, imóveis ou dinheiro, mas tudo o mais, inclusive o gosto por bichos e plantas. Desde que mudei para o apartamento onde hoje moro, há 15 anos, construí, pouco a pouco, um jardim na lateral do corredor externo – afora os outros inúmeros vasos que mantenho dentro de casa, entremeando as estantes abarrotadas de livros. Colorido e cheiroso, agradava aos olhos e aos narizes de todos aqueles que tive o privilégio de receber em visitas, curtas ou longas, sempre prazenteiras.
Frank Bramley (English, 1857-1915) |
No corredor adjacente, minha vizinha, V., também cultivava um jardim. Por exigência da minha atividade, pouco permaneço em São Paulo, e por isso nosso convívio esparso. Mas, quando nos encontrávamos, trocávamos ós de admiração pelas flores e folhagens um do outro. Há tempos, no entanto, não a via, pois ela adoeceu e começou a passar longas temporadas internada em hospitais. G., a diarista, cuidava do jardim e sempre me informava sobre o estado de V., que parecia estável, mas incontornável.
No dia em que recebemos o comunicado do Corpo de Bombeiros, encontrei com G. e disse que lamentava profundamente ter que me desfazer do jardim. Ela me olhou e disse, Pois é, nem sei como falar sobre isso com a dona V. Quando vou visitá-la, a primeira coisa que ela faz é perguntar pelas plantas. Elas são tudo para a dona V. Nos despedimos, fiz a mala, viajei para Poços de Caldas, Juiz de Fora, Rio de Janeiro e Niterói, terminando a jornada em Cataguases, onde acompanhei Michael Kegler, tradutor alemão que tornou-se grande amigo, em visita de reconhecimento do palco privilegiado de minhas histórias. De regresso, ao entrar no prédio, o zelador me avisou, pesaroso, que V. havia morrido no dia mesmo em que terminava o prazo para a liberação dos corredores.
Envelheço e cada vez mais sinto imensa necessidade de arrumar uma maneira de manter plantas, bichos e amigos vivos e próximos... O tempo foge...
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