As batidas de outro relógio, mais distantes - vindas do Prince of Wales, do outro lado da rua -, vibraram no ar estagnado. Gordon fez um esforço, ergueu-se na cadeira e guardou sua carteira de cigarros no bolso interno do paletó. Estava morrendo de vontade de fumar. Mas só lhe restavam quatro cigarros. Hoje era quarta-feira, e ele só iria receber na sexta. E seria terrível demais ficar sem fumar a noite de hoje e mais todo o dia de amanhã.
O dinheiro tilintou no bolso da calça quando ele se ergueu. E ele sabia a soma exata. Cinco pence e meio - dois pence e meio e mais um joey, a pequena moeda de três pence que todos detestavam. Fez uma pausa, tirou do bolso a miserável moeda e contemplou-a. Objeto medonho e inútil! E que imbecil ele fora de tê-la aceitado! Tinha acontecido na véspera, quando comprara cigarros. "O senhor se incomoda de receber uma moeda de três pence?", chilreara a cadelinha da caixa. E é claro que ele aceitara aquela moeda de troco. "Não, de maneira alguma!", respondera ele - imbecil, grande imbecil!
Sentiu náuseas só de pensar que tudo que lhe restava no mundo eram cinco pence e meio, três dos quais nem teria como gastar. Alguém poderia comprar alguma coisa com uma moeda de três pence? Mas se não era nem mesmo uma moeda, eis a resposta da charada. Qualquer um que tire aquela coisa do bolso fica com um absoluto ar de idiota, a menos que ela esteja perdida no meio de um punhado de outras moedas. "Quanto é?", você pergunta. "Três pence", responde a moça da caixa. E então você percorre as profundezas do seu bolso e de lá pesca aquela coisinha absurda e solitária, que se apresenta colada à ponta do seu dedo, como uma lantejoula. A moça fareja o ar. Percebe na mesma hora que são os últimos três pence que você ainda possui no mundo. Você a vê dirigir-lhe um olhar de esguelha - deve estar se perguntando se aquilo não terá sido encontrado como brinde dentro de um bolo de Natal. Você se retira da loja com o nariz para cima, e nunca mais poderá voltar. Não! Não vamos gastar nosso joey. Dois pence e meio é tudo que nos resta - dois pence e meio que precisam durar até sexta-feira.
Era a hora morta depois do almoço, quando só aparecia, se tanto, algum freguês ocasional. Ele estava a sós com sete mil livros. A salinha pequena e escura que dava para o escritório, com seu cheiro de poeira e papel envelhecido, estava cheia até o teto de livros, na maioria velhos e invendáveis. Nas prateleiras do alto, mais perto do teto, os volumes in quarto de enciclopédias extintas repousavam deitados de lado, em pilhas que lembravam caixões sepultados em valas comuns. Gordon afastou as cortinas azuis impregnadas de poeira que serviam de porta para a sala ao lado. Nesta, mais clara que a anterior, ficava a coleção de livros para empréstimo. Era uma dessas bibliotecas a dois pence sem depósito, as preferidas dos pequenos ladrões de livros. E os únicos livros que continha eram romances, claro. E que romances! Aqui também, contudo, isso era de se esperar.
Em número de oitocentos, esses romances forravam três paredes da sala até o teto, fileiras e mais fileiras de lombadas coloridas e oblongas, como se as paredes tivessem sido construídas com tijolos multicoloridos dispostos em pé. Organizados em ordem alfabética. Arlen, Burroughs, Deeping, Dell, Frankau, Galsworthy, Gibbs, Priestley, Sapper, Walpole. Gordon dirigiu-lhes um olhar de ódio inerte. Naquele momento ele detestava todos os livros, especialmente os romances. Era horrível imaginar todo aquele lixo viscoso e mal-acabado reunido no mesmo lugar. Um grande pudim, um grande pudim de banha. Oitocentas barras de pudim de banha, formando uma muralha à sua volta - uma sala-forte de tijolos de banha. A idéia era opressiva. Ele atravessou a porta aberta para a parte dianteira da loja. De passagem, ajeitou os cabelos num gesto automático. Afinal, poderia haver alguma garota do lado de fora da porta de vidro. Gordon não tinha uma aparência muito impressionante. Mal chegava a um metro e setenta de altura, e como geralmente seus cabelos estavam mais compridos do que deviam, tinha-se a impressão de que sua cabeça era grande demais para o corpo. Ele nunca era totalmente indiferente à sua baixa estatura. Quando percebia que alguém olhava para ele, erguia-se numa postura muito ereta, o peito projetado para a frente, com um ar de atrevimento que às vezes enganava as pessoas mais ingênuas.
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