Este último, sim, continuaria sendo possível: o que aconteceu comigo, já que também agora acontece, ou talvez seja a mesma coisa que não termina. E igualmente poderia ser, acredito, o que aconteceu com Van Vechten e outros fatos daquela época. Deve ter havido Van Vechtens em todos os tempos e não cessarão e continuarão existindo, a índole dos personagens não muda nunca, ou assim parece, os da realidade e os da ficção, sua gêmea, se repetem ao longo dos séculos como se as duas esferas
carecessem de imaginação ou não tivessem escapatória (ambas obra dos vivos, afinal de contas, talvez entre os mortos haja mais inventividade), às vezes dá a sensação de desfrutarmos um só espetáculo e um só relato, como as crianças pequeninas. Com suas infinitas variantes, que os disfarçam de antiquados ou novos, mas que são na essência sempre os mesmos. Também deve ter
existido, portanto, Eduardos Muriel e Beatrizes Noguera em todos os tempos, para não falarmos nos comparsas; e Juanes de Vere aos montes, assim me chamava e assim me chamo, Juan Vere ou Juan de Vere, conforme quem diga ou pense meu nome.
Minha figura não tem nada de original. Na época ainda não existia divórcio, muito menos se podia
esperar que viesse a existir um dia quando Muriel e sua mulher se casaram, uns vinte anos antes de eu me imiscuir em suas vidas, ou melhor, foram eles que atravessaram a minha, apenas a de um principiante, como se diz. Mas desde o momento em que você está no mundo começam a lhe acontecer coisas. Sua frágil roda incorpora você com ceticismo e tédio e o arrasta sem a menor vontade, pois é velha e triturou muitas vidas sem pressa à luz da sua vigia folgazã; a lua fria que cochila e observa com uma só pálpebra entreaberta conhece as histórias antes mesmo de acontecerem.
E basta prestar atenção em alguém — ou lhe lançar um olhar indolente —, e esse alguém não poderá mais escapar, mesmo que se esconda e permaneça quieto e calado e não tome iniciativas nem faça nada. Mesmo que ele queira se escafeder, já o terão visto, como um vulto distante no oceano, que não se pode ignorar, do qual é preciso se esquivar ou se aproximar; ele conta para os outros, e os outros contam com ele, até que desaparece. Também não foi essa minha circunstância, afinal. Não fui nem um pouco passivo, nem fingi ser uma miragem, não tentei me fazer invisível.
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