Comecei a andar, mas lembro que a roupa, os sapatos e até a pele me pesavam muito. Cada passo que eu dava exigia mais esforço que o anterior. Quando cheguei às Ramblas percebi que a cidade estava suspensa em um instante infinito. As pessoas haviam interrompido seus passos e apareciam congeladas como figuras de uma velha fotografia. Um pombo levantando voo esboçava o rascunho impreciso de um bater de asas. Filamentos de pólen flutuavam imóveis no ar como luz em pó. A água da fonte de Canaletas brilhava no vazio e parecia um colar de lágrimas de cristal.
Lentamente, como se tentasse caminhar debaixo d’água, consegui entrar no feitiço daquela Barcelona paralisada no tempo até chegar à entrada do Cemitério dos Livros Esquecidos. Lá chegando, parava, exausto. Não conseguia entender que carga invisível era aquela que eu arrastava comigo e que quase não me deixava avançar. Levantei a aldraba e bati na porta, mas ninguém veio abrir. Bati várias vezes com os punhos no grande portão de madeira. Mas o vigia ignorava a minha súplica. Exânime, afinal caí de joelhos. Só então, ao ver o feitiço que eu tinha arrastado, fui tomado pela terrível certeza de que a cidade e o meu destino ficariam congelados para sempre naquele sortilégio e de que eu nunca mais iria lembrar o rosto da minha mãe.
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