E também procuram empregar palavras mágicas, como se alguma palavra melhorasse a condição do velho ou de alguma maneira a homenageasse. Essas palavras e expressões são ofensivas, porque dão a entender que a velhice é uma condição tão vergonhosa que deve esconder-se por trás de eufemismos detestáveis. Idoso é a mãe, ancião é a mãe, vovozinho é a mãe, melhor idade, terceira idade, feliz idade, tudo isso é a mãe, não se discute. O certo é “velho”, no máximo “coroa”. Os que são contrários ao uso da palavra “velho” alegam que ela soa preconceituosa ou discriminatória. Mas é claro que soa, velhice é defeito. Ninguém diz em voz alta que é defeito, mas todo mundo acha que é. É semelhante ao que ocorre com “pobreza”. Pobreza também é defeito. Do contrário não se diria “pobre, porém honesto”. Por que o “porém”, por que a adversativa? Se ser pobre não fosse defeito, dir-se-ia “pobre e honesto”. Mas, claro, o que a frase afirma é que, apesar de pobre, o sujeito é honesto. “Velho” é a mesma coisa, gosta muito de ser seguido por uma adversativa, como, por exemplo, em “ele é velho, mas entende tudo o que a gente fala”.
Bem, o fato é que hoje deve aparecer no boteco um grande número de velhotes, de todos os estilos. Tem seu lado bom. Vamos reconhecer que a juventude impacienta um pouco os mais velhos e, como já se observou, conversar com jovem cansa muito, porque se tem que falar demais. Vão chegando os velhotes, todos invariavelmente cumprindo o ritual do “você está bem, você está muito bem”. Em seguida, a troca de novidades. Um tomou um porre de gim em agosto que o deixou torto até hoje, de maneira que não tem saído. Outro está usando fraldão, mas sai numa boa. Outros se foram definitivamente, ou estão com a partida mais ou menos marcada. Dois ficaram viúvos, três viajaram a Buenos Aires e seis deixaram de beber destilados. No mais, alguns relatórios de praxe, o animado cotejo de resultados de exames e remédios, papos acalorados sobre colesterol, triglicerídios, PSA, glicose, antidepressivos, artrite, implantes dentários, pontes de safena, colonoscopia, esteatose hepática, função cognitiva, câncer de pele, ultrassonografia abdominal, cataratas, perda óssea, estatinas, próstata e o renomado exame da dedada. E, finalmente, todos professarão horror à ideia de ver os fogos do réveillon.
Francesc Rovira |
Quem mais fez aniversário este ano? Às vezes parece que eu sou o único no boteco que fica mais velho. Bem, as mulheres mentem ou escondem. Nessa questão de idade, mulher não vale, elas diminuem a idade até para o IBGE. Mas os homens não ficam muito atrás. O Silveirinha nega a idade sem a menor dúvida, já o peguei em contradição mais de uma vez, ele não decorou direito o ano em que nasceu de mentirinha. O Afonso, o Geraldo e, com quase toda a certeza, o Mariano diminuem a idade. Para não falar no Macedinho, que não revela a idade, mas que todo mundo sabe que foi proeiro da arca de Noé. Um dia destes eu me aporrinho e corto uns dois anos também. Tenho mais cabelo que o Afonso, o Geraldo e o Silveirinha e a menor barriga da mesa.
Se fizer sol, vamos viver um começo de tarde animado, com as mulheres passando para a praia e a gente apreciando, na medida do possível. De modo geral, as damas despertam nostalgia e às vezes memórias talvez um tantinho fantasiosas. E há os rabugentos despeitados, como o Linhares e seu compadre Arnaldinho, que desdenham a mulher atual e proclamam a superioridade da mulher do tempo deles. Para eles, as mulheres daquele tempo eram melhores e não se barateavam, se exibindo e transando a torto e a direito, como as de hoje em dia. E os homens, claro, também eram melhores, não eram como esses meninões atuais, que vivem tomando anabolizantes e surfando, deixando o mulherio completamente desatendido. Eu fico assim olhando para o Linhares e o Arnaldinho falando besteira e sempre recordo o grande filósofo que disse que o verdadeiro mal da nova geração é que nós não pertencemos mais a ela. Bom domingo, querido Diário. Mais um, quantos mais ainda?
João Ubaldo Ribeiro
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