Fernando Vicente |
Se a beleza desta ilha, uma das menores das Canárias, com seus bosques, praias, morros e parques naturais é grande durante o dia, o verdadeiro milagre acontece com a chegada da escuridão, quando o céu vai se povoando de uma miríade infinita de estrelas, constelações, planetas, luzes que relampejam, apagando e acendendo e, como no Aleph borgiano, tomamos a tremenda consciência de que ali, em cima de nossa cabeça, está o universo infinito. A coisa é ainda mais espetacular quando, com a ajuda das lentes dos telescópios, se começa a navegar pelos espaços siderais e se aproxima daqueles bólidos e, por exemplo, se tem a sensação de ser um astronauta que passeia pelo céu rugoso da Lua, entre crateras gigantescas, obra dos meteoros que a bombardearam ao longo dos milhões de anos de existência que tem essa aglomeração de planetas.
Creio que nos dois dias que passei por ali aprendi mais do que em todas as outras viagens que já fiz em minha vida. Por exemplo, que nada se parece tanto à literatura quanto a astronomia, porque em ambas a imaginação é tão importante quanto o conhecimento e que, sem aquela, este não evoluiria em absoluto. Os astrônomos do Observatório e, em especial, seu diretor, o professor Rafael Rebolo López, armados de paciência e sabedoria, dão respostas eloquentes a todas as minhas perguntas, que sempre suscitam novas perguntas e, assim, a conversa ultrapassa a frágil fronteira que nessa disciplina separa (e com frequência confunde) a física da metafísica.
Não é avassalador e paralisante trabalhar em um campo que abrange o infinito desmedido, o tempo sem tempo que é a eternidade? Sim, talvez. Mas, para evitar a paralisia, surgiu a teoria do Big Bang, que estabelece um ponto de partida —uma explosão da matéria ocorrida há mais de treze bilhões de anos e que prossegue sua eterna expansão pelo espaço sem fim— para essa eternidade e, que apesar de ambos os conceitos serem incompatíveis, permite aos cientistas trabalhar com menos incerteza. E se a teoria do Big Bang for popperianamente “desmentida” em um dado momento? Surgirá outra que retificará o que foi alcançado até o momento e permitirá progredir por uma via diferente. Não é essa a história de todas as ciências, sem exceção?
Alguns astrônomos chegaram a encontrar vida, ou sintomas de vida, em algum outro astro do universo? Não, em nenhum. Mas isso não permite afirmar de forma definitiva que só a Terra tem semelhante privilégio, entre outros motivos porque os cientistas realmente encontraram em astros disseminados por vários pontos do espaço quase todos os elementos constituintes necessários para a vida. De modo que tal descoberta —ter parentes em algum canto perdido do universo— pode ocorrer em algum momento do futuro. E vamos ver se esses humanoides venusianos ou marcianos se parecem aos da ficção científica ou são mais originais do que os inventados pela fantasia literária!
Que possibilidades existem de que o pequeno planeta Terra desapareça pelo impacto de um gigantesco meteoro que seria milhares de vezes maior do que o que caiu na Sibéria há mais ou menos um século, devastando um enorme território? Muitas, se levarmos em conta que com muita frequência se registram no espaço sideral acidentes, ou seja, hecatombes gigantescas resultantes de desvios das órbitas, ou falta de órbitas, nas trajetórias de certas formações rebeldes; e poucas se considerarmos que não aconteceu ainda na longuíssima história registrada do astro terráqueo. Mas, sem dúvida que, como hipótese, poderia acontecer amanhã e devolver tudo que existe à nossa volta ao nada do qual saiu há alguns milhõezinhos de anos. Vistas do ponto de vista das estrelas, que estúpidas e mínimas parecem as guerras e todas as violências de que está impregnada a história da humanidade.
Pergunto ao grupo que me rodeia que porcentagem de astrônomos tem uma crença religiosa e, depois de trocar pareceres, me dizem que provavelmente vinte por cento; os demais são agnósticos ou ateus. Um desses amigos se apressa em marcar a diferença: “Eu acredito”. E acrescenta: “E me sinto perfeitamente à vontade compatibilizando minha religião com tudo que a ciência descobre ou descarta”.
É verdade o que diz, sem dúvida, e deve ser também para essa quinta parte de astrônomos cuja fé resiste a esse cotejo cotidiano ao qual estão submetidas suas crenças religiosas com as revelações —não sei se as chamo de estupendas ou terríveis— que as estrelas lhes fazem. Mas entendo melhor as outras quatro quintas partes de cientistas cujo trabalho diário submerge em dúvidas e hesitações em relação às ideias propagadas pelas religiões sobre o ser supremo que teria criado todas aquelas constelações e tudo que existe. Porque se tornam pequeninos os deuses que os seres humanos adoram ou adoraram diante desse espetáculo avassalador digno das Mil e Uma Noites de trilhões de trilhões de estrelas semeadas ao longo de um espaço sem fronteiras, gravitando e sustentando-se mutuamente, emitindo luz ou recebendo-a, e que pobres as explicações das religiões inventadas para essas perguntas inexplicáveis: como tudo isso foi possível? Pode ser puro acaso, conjunções e constituições misteriosas como casualidades, as que, de imediato, neste universo gelado, fizeram brotar a vida, aqui, neste planetinha sem luz própria que é o nosso? É mais ou menos convincente que fosse não o acaso mas um ser superior, dotado de infinita sabedoria, quem tenha, talvez entediado por sua eterna solidão, criado essa maravilha tenebrosa que é a história humana? As melhores respostas —as mais belas e criativas— a essas perguntas possivelmente não estão nem nas estrelas nem na religião, mas na literatura.
Mario Vargas Llosa
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