Estão abertas as vagas para carrasco no Sri Lanka. Como requisito para o emprego de remuneração equivalente a menos de um salário mínimo, os candidatos devem apresentar “excepcional caráter moral” e “excelentes faculdades mentais”. Basicamente, alguém de mãos firmes e coração invulnerável. Não vá o carrasco se deixar impressionar pelo olhar de um condenado, como o verdugo de Hilda Hilst. Não vá questionar o merecimento da pena nem se gabar de executá-la com exagerado entusiasmo.
Um carrasco é como uma criatura sem voz e sem rosto tanto mais medonha quanto mais mansamente idiota, bicho criado no aprisco da lei, cujas mãos profissionais são as mãos de muitos homens. Se for para enlouquecer, que seja dentro dessa normalidade aparente de executores e condenados. Talvez colabore nesse enlouquecimento manso o uso de cordas em vez lâminas. Não pensar certamente colabora muito. Não sentir colabora ainda mais.
Houve carrascos do tempo da guilhotina que alucinaram. Um deles, uma vez, se viu lavado em sangue, e era sangue imaginário, o que chamam de crise hematofóbica. Dez anos antes de surtar, esse mesmo carrasco executou o assassino pelo qual santa Teresinha rezava. Consta que, pouco antes de morrer, o condenado caiu de joelhos no patíbulo, como que sob o peso das orações da santa. Não custa imaginar que um pouco do milagre tenha respingado no carrasco. Não custa desejar a todos os profissionais do ramo, hoje, no mundo, a mesma sorte. Está aí uma oração incidental para esse sábado, para que alucinem todos os carrascos.
Mariana Ianelli
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