“Minha mãe cozinhava exatamente:
Arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas.
Mas cantava”Adélia Prado
1.
Medir a distância média entre duas pessoas. Não há fitas métricas assim tão invasivas, mas o olho mede, avalia, assusta-se, entusiasma-se. O olho é uma fita métrica emotiva, sim, mas ainda assim exacta.
E é isso: no Rio de Janeiro a distância média entre seres humanos é menor. E tal facto tem enormes consequências.
Darren Thompson |
Distância média entre duas pessoas, portanto, com valores mínimos mundiais.
2.
No Rio de Janeiro os humanos não caminham lado a lado, caminham encostados uns aos outros, em movimentos oscilantes e ininterruptos que fazem abalar a noção de posição individual. Os pés e a cabeça de um carioca, que avança em grupo, nunca estão no mesmo eixo. Os corpos são, no Rio, organismos inclinados, a cabeça nunca está exactamente acima dos pés - está sempre ligeiramente ou muito ou muitíssimo à esquerda ou à direita. Entre os pés e a cabeça não há uma linha recta, mas uma linha curva. Alegremente curva.
Quando caminho pelo Rio de Janeiro, vejo manchas humanas em movimento. É a única cidade, mesmo no Brasil, em que a cor das pessoas verdadeiramente não existe.
(O corpo de um carioca nem quando está deitado está direito; tudo é efusivamente torto, inclinadíssimo e temporário.)
3.
De resto, nunca joguei ao popular jogo da batalha naval com um carioca, mas certamente esse jogo terá aqui regras distintas. É impossível pensar os barcos, mesmo os barcos, sempre na mesma posição no universo do Rio: a4, d7, a5, d8. Certamente mudam matreiramente de posição (pelo menos de noite): pé aqui, cabeça acolá.
Gonçalo M. Tavares
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