Manicure, ela estava atrasada, mas não podia deixar o homem atravessar sozinho a rua. O sinal para pedestres ficava aberto só meio minuto e, sem o auxílio dela, o homem ia ser um alvo perfeito para os carros dali a alguns segundos. Mesmo apoiado nela, ele parecia que ia desabar a cada passo. Quando chegaram ao outro lado, o peito dele chiava como uma cafeteira e a voz saiu como um suspiro quando ele disse obrigado.
“De nada. Bom dia para o senhor.”
Quando ela se virou para retomar seu caminho, ele, já com melhor fôlego, perguntou:
“Moça, sabe que você é bem gostosa?”
A resposta dela não o abalou. Com um sorriso instantaneamente rejuvenescido, ele contrapropôs:
“Eu vou. Eu vou. Não precisa mandar de novo. Mas só vou se você for comigo, minha delícia.”
***
“Mas que maravilha, hem?”
“É. O senhor viu só que pernas?”
O homem cuspiu palavras e perdigotos num jato só:
“Pernas? Que pernas? Eu estou falando da praça, seu desavergonhado!”
***
Eu estava na Avenida do Cursino, no início de um quarteirão ocupado por dezenas de pequenas lojas de autopeças. A manhã estava feia e chuvosa, mas nem pensei em reclamar de nada, porque à minha frente ia uma mulher dessas que costumamos chamar de inesquecíveis. Quando ela passou diante de uma das lojinhas, a chuva engrossou e os dois homens que estavam na porta entraram apressados. Mas, antes, um disse:
“Melhor que o sol, é ou não é?”
Achei justo o elogio. Só uma mulher como aquela poderia despertar a poesia num homem simples.
“Ô! Bem melhor!”, respondeu o outro.
E o primeiro, para meu desapontamento, concluiu:
“Ninguém estava mais aguentando aquele calor.”
Raul Drewnick
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