terça-feira, setembro 15

Últimos escritos

18 de Janeiro de 1906. Iásnaia Poliana


Ainda não me sinto bem. Trabalho um pouco no " Círculo de Leitura".

Hoje pensei : o que devo eu fazer , um homem velho? Tenho poucas forças , que me vão faltando de maneira notável. Várias vezes na minha vida achei que estava perto da morte. E , coisa tola, esquecia , procurava esquecer isso - esquecer o quê? Que morrerei, e que em qualquer caso, 5,10,20, 30 anos , a morte está sempre muito próxima. Agora, pela minha idade, considero-me naturalmente perto da morte e não há por que esquecer isso, e não é possível esquecer. O que hei-de fazer, eu, um velho sem forças? - perguntei-me. E achei que não tenho que fazer nada. Mas hoje compreendi muito claramente a clara e alegre resposta. O que fazer? Já está provado que morrerei. Essa é agora , e sempre foi , a minha tarefa. E é preciso cumprir essa tarefa o melhor possível: morrer, e morrer bem. A tarefa está à tua frente, nobre e inevitável, e tu à procura de uma tarefa. Isto foi para mim uma grande alegria. Começo a habituar-me a olhar a morte, a agonia, não como o fim da tarefa, mas como a própria tarefa. (...)

3 de Abril de 1910. Iásnaia Poliana

(...) Esta manhã tencionava escrever sobre o meu funeral e aquilo que nele deve ser lido. Lamento não ter escrito. Sinto cada vez mais a aproximação da morte. Sem dúvida, a minha vida , e provavelmente a vida de todas as pessoas, torna-se mais espiritual com o passar dos anos. O mesmo acontece com a vida de toda a humanidade. Nisso reside a essência e o sentido da vida de todos e de cada um, e por isso o sentido da minha vida está apenas nessa espiritualização. Ao ter consciência disso, e agindo em conformidade, sabemos que cumprimos a tarefa que nos foi destinada: espiritualizarmo-nos e contribuirmos com a nossa vida ao menos um pouco para a espiritualização geral - para o aperfeiçoamento.
Lev Tolstoi, "Os últimos escritos"

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