Com muita dor no coração, estou deixando para trás livros que me acompanham há anos e integram minha extensa biblioteca, estante especialmente fabricada para cobrir toda uma parede, do teto ao chão. Planejo mudar para um apartamento menor, o que é um dolorido exercício de desapego. Já descartei os móveis grandes e agora é a vez das centenas de livros, alguns, confesso, jamais lidos.
Doar livros é coisa complicada. Ninguém mais tem espaço suficiente para colecionar volumes físicos, ninguém mais lê a não ser nas telas. Mesmo contra a maré, declaro que adoro obras impressas, palpáveis, com forma, cor e cheiros característicos, onde podemos sublinhar passagens preferidas, usar marcadores também concretos, carregar em um abraço.
Há dias, tento pelo celular encontrar novos lares para a herança. Em postos de doações, deixam claro que “não aceitamos livros didáticos” e preciso refazer o pacote, porque alguns se enquadram na categoria. Pretendo conversar na escola vizinha, para ver se sua biblioteca tem espaço para a literatura. Lembro de Mindlin cedendo toda sua biblioteca para uma universidade. Será que as daqui teriam interesse?
Só quem ama livros sabe o quanto cada um importa. Queria seu destino num centro de cultura onde fossem devidamente valorizados, por serem testemunhas de épocas valiosas, como o nascimento do realismo fantástico. Há um pedaço do mundo nestas estantes, com autores dos mais variados países e idiomas que tradutores competentes tornaram acessíveis.
Há, também, amados escritores nacionais, poetas e prosadores de várias épocas que ainda nos acariciam a alma. E, também, os recentemente consagrados, trazendo novas luzes ao acervo. Em cada volume, uma aula de escrita, imaginação e talento. E de tudo isso terei de abrir mão, porque a vida me manda seguir em frente. Sei que muitos irão comigo nesta aventura, porque impressos na memória para sempre, como tatuagens. É meu consolo. Assim como saber que outros olhos deitarão sobre suas páginas e, com a leitura, acrescentarão emoções e sentimentos à própria história de vida.
Mas, por enquanto, tenho urgência em transferir meus tesouros a outras mãos. Aceita um livro?
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