‘E tudo vai indo ...'
E tudo vai indo muito bem, até que, de súbito, sem que se saiba por que, arma-se o complô da máquina contra o homem. Esta onde escrevo, elétrica, começa a emitir sons esquisitos, a bolinha de tipos se recusa a correr sobre o papel, a tábua de espaços dispara como uma metralhadora, a folha sai aos pulos do rolo e é atirada longe. Paro um instante para acender o cigarro e o isqueiro emite uma chama de um palmo, por pouco não chamuscando o meu nariz. O telefone já dá sinal de ocupado antes que eu disque o número desejado. Lá no quarto o despertador elétrico aciona fora de hora o rádio a todo volume. A televisão, em vez de som ou imagem, começa a emitir um cheiro esquisito de queimado. A essa altura, as roelas, os pinos, molas, fios e parafusos da engrenagem maldita que nos envolve concertam o ataque final a ser desencadeado: em pouco a geladeira poderá estar quente, fazendo água sobre os alimentos; o aspirador poderá estar expelindo pó em vez de aspirá-lo; o aquecedor poderá explodir na minha cara em vez de esquentar o meu banho; e o ar-condicionado começará a soltar fumaça em vez de ar frio e a vitrola a soltar faíscas em vez de música. De senhor da máquina e seus mistérios, o homem passa insensivelmente a seu escravo.
Tinha razão o casal de velhos que, no “cartoon” de uma revista americana, fazia uma imensa fogueira de máquinas em frente à sua casa: geladeira, rádio, televisão, aspirador, enceradeira, torradeira, batedor de bolo, e toda essa parafernália com que vamos diariamente aumentando o nosso inferno cotidiano. E ante o pasmo dos vizinhos, explicavam, sorridentes:
- Resolvemos simplificar nossa vida.Fernando Sabino
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