segunda-feira, julho 28

Menino triste

Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com os moleques por toda a parte. Mas, no fundo, era um menino triste. Às vezes dava para pensar comigo mesmo, e solitário andava por debaixo das árvores da horta, ouvindo sozinho a cantoria dos pássaros.

Pensava então naquilo que junto de gente eu não podia pensar. Já estava no engenho há mais de quatro anos. Mudara muito desde que viera de Recife.

– Para o ano – diziam – iria para o colégio.

E o que seria esse colégio? Os meus primos contavam tanta coisa de lá, de um diretor medonho, de bancas, de castigos, de recreios, de exercícios militares, que me deixavam mesmo com vontade de ir com eles. Mas o engenho tinha tudo para mim. Tia Maria tomava conta de mim como se fosse mãe. E a lembrança de minha mãe enchia os meus retiros de cinza. Por que morrera ela? E de meu pai, por que não me davam notícias? Quando perguntava por ele, afirmavam que estava doente no hospital. E o hospital ia ficando assim um lugar donde não se voltava mais. Via gente do engenho que ia para lá, com carta do meu avô, não retornar nunca. E as negras quando falavam do hospital mudavam a voz: 'Foi para o hospital.' Queriam dizer que foi morrer.

Tinha um medo doentio da morte. Aquilo da gente apodrecer debaixo da terra, ser comido pelos tapurus, me parecia incompreensível. Todo o mundo tinha que morrer. As negras diziam que alguns ficavam para semente. Eu me desejava entre estes felizardos. Por que não podia ficar para semente? Dentro de um navio, enquanto o mundo todo se acabasse. E nesse barco eu me via cercado de tudo que era bicho, e a minha tia Maria, a negra Generosa, a vovó Galdina, o meu avô, tudo que me amava estaria comigo. Esta horrível preocupação da morte tomava conta da minha imaginação.

Fiquei um menino medroso. De dia, porém, esperando meus canários, amava a solidão. Era ela que deixava falar o que eu guardava por dentro – as minhas preocupações, os meus medos, os meus sonhos. O mundo de um menino solitário é todo dos seus desejos. Tudo eu queria ter nesses meus retiros: o tesouro da história de Trancoso, o cavalinho de sela, aquela vara mágica das fadas, que viravam em tudo que a gente quisesse. Eu desejava também que a velha Sinhazinha morresse. Então começava a ver a minha inimiga trucidada, com os cavalos desembestados puxando-lhe o corpo pelos espinhos.
José Lins do Rego, "Menino de Engenho"

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