O Homem das Neves acorda antes do amanhecer. Ele fica deitado, imóvel, ouvindo a maré encher, uma onda atrás da outra derramando-se sobe as diversas barricadas, wish-wash, wish-wash, no ritmo do coração. Ele gostaria tanto de acreditar que ainda estava dormindo.
A leste, no horizonte, há uma névoa cinzenta, iluminada por um clarão rosa e mortal. Estranho como essa cor ainda parece delicada. As torres próximas à praia projetam suas silhuetas escuras contra ela, erguendo-se improvavelmente da superfície rosa e azul da lagoa. Os gritos dos pássaros aninhados ali e o oceano distante batendo nos sucessivos recifes de pedaços enferrujados de carros, tijolos amontados e entulhos soam quase como o tráfego de um feriado.
Por hábito, ele olha o relógio - caixa de aço inoxidável, pulseira de alumínio, ainda lustroso embora não funciona mais. Ele o usa agora como único talismã. Uma face vazia é o que ele mostra agora: zero hora. Essa ausência de um tempo oficial causa-lhe um arrepio de terror. Ninguém, em lugar nenhum, sabe que horas são.
Margaret Atwood, "Oryx e Crake"
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