Chega-se a ser grande por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve
Jorge Luís Borges
Como sempre fazia, entro na Da Vinci e vou até o fundo, para, antes de ‘viajar’ pelas prateleiras, cumprimentar dona Vanna. E quem encontro sentado em altas negociações com a livreira? Luis Antonio, “sobrinho” querido, filho de amigos da vida inteira, então com menos de 15 anos, a negociar os pagamentos dos livros de Astérix que levava e dos que encomendava.
Fiquei parada, atrás dele, em silêncio, impressionada com a capacidade de negociação do garoto e mais ainda, com o modo como dona Vanna lidava com o cliente, confiando na sua palavra e anotando, em um caderno, só o nome dele e suas encomendas.
Telefone? Endereço? Nome dos pais ou responsáveis? Não, nada disso foi necessário. Ali bastava a palavra do leitor. Que se tornou tão fiel que depois dos Astérix passou a comprar ali a série Dungeons and Dragons...
Terminado o assunto entre os dois, Luis Antonio se levanta e caminha tão apressado para a porta que nem me vê. Comento com dona Vanna meu espanto e pergunto se agindo assim ela não leva muitos prejuízos. E ela: “Poucos. De adultos. Mas de um jovem, menino ainda, que sabe muito bem o que quer e que é um leitor interessado no que lê... Não. Por esse ponho minha mão no fogo”.
Quem quisesse ler e precisasse pagar em mensalidades, tinha em dona Vanna uma aliada. Velho ou menino, não importava, importava que o leitor amasse os livros como ela os amava. Ali encontrávamos os últimos livros saídos na França e toda a coleção da Bibliothèque de La Pléiade, tentação que até hoje me fascina e que só mesmo em parcelas era possível comprar.
Dona Vanna, uma senhora livreira, que atendia realmente ao leitor |
A Leonardo da Vinci, assim como a finada Casa Crashley, faziam do centro do Rio a sucursal do paraíso. Na Crashley comprei os livros da Jane Austen que marcaram minha adolescência; foi onde conheci Agatha Christie, Somerset Maughan, Hemingway e Graham Greene.
Ontem li em O Globo que a filha de dona Vanna, Milena Duchiade, declara sua livraria “inviável”. Doeu. A Da Vinci atravessou um incêndio tenebroso, passou pela estupidez dos anos de chumbo. Giovanna Piraccini, italiana de Bolonha, com seu sotaque marcante, dizia, em alto e bom som o que pensava das dificuldades que os milicos impunham à importação de livros, não escondia de ninguém que nada é mais importante que a liberdade de escolha e que a censura é burra.
Mas a livraria não atravessa o que fazem com o Rio, que anda tão acabrunhado... Já perdemos tantas coisas. Noutro dia o Elio Gaspari pediu que alguém salvasse a Casa Daros, o belo casarão em Botafogo. Sugere que milionários brasileiros façam como os Gulbenkian, os Rockefeller, os Frick, os Wallace e se unam para salvar o museu.
Drummond, um dos milhares que frequentaram a Da Vinci |
Vou nas águas do excelente jornalista e sugiro: que tal os milionários (e temos tantos, não é? nunca tivemos tantos) se unirem e transferir a Livraria Leonardo da Vinci para a Casa Daros? Não vejo, em parte alguma, melhor acervo para aquele belíssimo casarão que os livros das prateleiras da grande livraria em perigo.
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