No agreste sertão, amiga, aconteceu uma história de amor. Longe das grandes cidades, nas terras bravias do Nordeste, as paixões, os instintos e os preconceitos medravam e cresciam paralelamente. Era a caatinga em torno, as fazendas feudais, os homens vestidos de couro, uma lei primária dominando. Um código de honra nascera no sertão e ainda hoje, cem anos quase passados sobre essa história, ele existe no coração dos senhores das fazendas e no coração dos cangaceiros. O sertão cria homens fortes e mulheres belas e cria também devoradoras paixões no mais tímido peito da mais recatada donzela que vivera até então escondida no labirinto das casas-grandes. As mais tímidas mulheres do sertão quando chega o seu momento de amor são fortes como o mais corajoso cabra de Juazeiro. É a caatinga que as faz assim. Léguas e léguas de mato que não é vegetação, é puro espinho que rasga os pés, os braços e o peito. Quem nasceu na caatinga, viu o mugir triste dos bois nos mais tristes crepúsculos, cresceu ouvindo histórias de secas e de cangaceiros, assistindo a duelos de punhal e a amansamentos de touros bravios, aprendendo que a vida é feita para ser vivida valentemente, quem vive o anônimo heroísmo diário do sertão, é capaz até de se levantar e 18 lutar contra o código de honra que o próprio sertão criou. A força do amor se junta à força que vem da braveza da terra. Aí nascem os cangaceiros célebres e as mulheres que pelo amor abandonam tudo, lar e família, conforto e honra. Aí nasceu Pórcia, a que se consumiu no amor de Leolino, heroína do mais dramático idílio do sertão. Aí nasceram os Castros, os Canguçus, os Mouras e os Medrados, donos do sertão e zeladores do seu código de honra. Aí nasceu também Castro Alves, filho de Clélia Brasília, irmã de Pórcia. Aquele que havia de cantar uma a uma as belezas do sertão e os sentimentos dos sertanejos nasceu quando a tragédia de sua tia alcançava o seu fim.Filho da tempestade, irmão do raio,Lança teu grito ao vento da procela.
Castro Alves nasceu sob o signo do amor mais livre, dos instintos lutando contra os preconceitos, do homem procurando a sua felicidade contra tudo e contra todos. No ano em que o sertão vivia a sua mais intensa história de amor e sangue, em que toda a terra da caatinga, desde o Paraguaçu ao São Francisco, estremecia aos gritos de vingança dos Canguçus e dos Castros, quando o tropel dos cavalos anunciava o começo dos tiroteios, quando, na quietude das noites mornas, o punhal descia sobre a garganta ou o peito de um Moura, quando Exupério, irmão de Leolino, se celebrizou como dono da mais certeira pontaria de todas aquelas terras, quando o sertão assistia às mais espantosas cenas de crueldade e de coragem, e, quando a caatinga ouviu dos lábios amantes de Pórcia e Leolino as mais doces palavras de amor, os queixumes, os risos e suspiros de amor que o vento levava em direção ao mar, no ano em que a força livre do amor se levantou contra a lei dos homens estabelecida no sertão, nesse ano nasceu Castro Alves.
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