Nunca se perde tempo com a leitura
Fala-se às vezes de 'inspiração' a propósito de quem escreve
uma obra. Mas nunca se diz isso de quem a lê. Mas lê-la é escrevê-la outra vez.
E é preciso estar-se inspirado para o conseguir bem. A inspiração possível de
quem escreve um livro cumpre-se nele sem mais para o autor. Mas a de quem o
reescreve, ou seja lê, é sempre variável. Ela varia não só com o desgaste da
repetição da leitura, mas ainda com a variação dessa variação e o motivo dela.
Porque por arranjos incognoscíveis pode alternar a adesão com a repulsa e
recuperar depois em adesão o que repelira e o contrário. Como pode tudo ter que
ver com razões mais cognoscíveis ou razoáveis e tudo depender assim de um
insulto que nos doeu ou de um vinho que nos caiu mal. Um livro que se escreveu
é imutável. O mesmo livro que se lê não o é. A inspiração de quem escreveu deu
o que tinha a dar. A de quem o recebe varia e não se esgota. Porque se se
esgotar, o livro não tinha nenhuma.
Vergílio Ferreira (1916 - 1996)
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