sexta-feira, setembro 30

Onde ficam os leitores em ação

A história de um clube do livro com 800 mil sócios

Uma das histórias mais interessantes do mercado editorial brasileiro é a do Círculo do Livro. Criado em 1973, era uma editora que funcionava como um clube no qual os sócios recebiam periodicamente uma revista promocional com o acervo e os lançamentos, tinham uma quota obrigatória para comprar e eram atendidos a domicílio por uma rede de vendedores – sendo que os livros era muito bem editados editorial e graficamente e seus preços estavam abaixo dos valores usuais de mercado.

O Círculo, que tinha como sócios as editoras Abril e Bertelsmann, chegou a 250 mil sócios em 1975, 500 mil em 1978 e 800 mil em 1983, presente em 2.850 municípios que eram atendidos por uma rede de 2.600 vendedores. Em 1982 foram vendidos 5 milhões de exemplares de livros, segundo dados do historiador Laurence Hallewell, em O Livro no Brasil: Sua História, que acaba de ganhar uma edição de bolso pela Edusp. O maior sucesso do Círculo foi o livro As Melhores Receitas de Cláudia, com 200 mil exemplares vendidos entre 1975 e 1990.

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A história do Círculo do Livro é apenas um pequeno registro nas pesquisas de Hallewell, cujo livro é uma obra de referência para os que querem conhecer a história da indústria editorial brasileira, suas linhas editoriais e autores, sua vida econômica, suas conexões e injunções políticas e culturais, desde o período colonial até a atualidade e com excelentes capítulos sobre o século 20 e algumas celebradas editoras do país, entre elas a Brasiliense, a José Olympio e a Civilização Brasileira. Um índice remissivo detalhado permite localizar qualquer informação específica.

O Livro no Brasil, originalmente uma tese de doutorado concluída em 1975 na Inglaterra (quando pouco se escrevia sobre história editorial) e publicado em inglês em 1982 pela The Scarecrow Press (com o título de Books in Brazil. A history of the publishing trade), foi primeiro lançado no Brasil em coedição da Edusp e T. A. Queiroz em 1985; depois, teve uma segunda edição revista e ampliada (e ilustrada) pela Edusp em 2005 (é curioso como a palavra publishing trade, remetendo a comércio e negócio editorial, ficou de fora do título brasileiro desde a primeira edição em português).

Entre as várias qualidades a destacar da pesquisa de Hallewell pode-se citar a sua abrangência realmente nacional, pesquisando o movimento editorial nos mais diversos estados e regiões brasileiras; o extensivo e didático uso de dados numéricos e estatísticos sobre tiragens, circulação, exportações e importações, custos, preços, com um tratamento cuidadoso de história econômica e, igualmente, a relação entre as editoras, como empresas, e sua produção intelectual e literária.

Quanto ao Círculo do Livro, sua receita editorial se sustentava em vários pilares interessantes: os livros eram muito bem acabados graficamente, com capa dura e ótimo design; havia opções realmente para todos os gostos e sempre novidades em todas as seções da revista, inclusive lançamentos em parceria com outras editoras, e a revista era bem produzida e com boas resenhas dos livros.

Tenho memórias muito precisas dos anos 1970, de adolescência, quando meu irmão era sócio. A revista era trimestral e, se não me engano, o sócio escolhia dois livros por trimestre: um de livre escolha e outro dentro de uma lista pré-selecionada, mas que evidentemente era diversificada (não sei se este sistema vigorou por toda a existência da editora). Eu ficava dias folheando a revista e fazia também as minhas encomendas, em especial livros de espionagem, romances policiais e políticos. A chegada do vendedor, com as encomendas e o novo exemplar da revista, era sempre um acontecimento, e imagino o impacto que tinha em centenas de cidades sem livrarias.

Olhando rapidamente os livros à mão, encontrei quatro edições do Círculo do Livro, cujo formato compacto, capa dura e chamativa os torna inconfundíveis. São eles: Os Sobreviventes. A Tragédia dos Andes, de Piers Paul Read; Arquipélago Gulag 1918-1956, de Alexandre Soljenítsin; Conspiração Telefone, de Walter Wagner, e Mundo Jovem, os premiados do 1º concurso literário infanto-juvenil do Círculo do Livro, de 1979, com prefácio de Jorge Amado, no qual ele escreve que o Círculo do Livro é “uma impressionante realidade em nosso mercado editorial, um clube de livros que alcançou audiência jamais vista entre os leitores brasileiros”. O júri foi composto por Millôr Fernandes, Ruth Rocha, Fanny Abramovich, Antônio Aguiar Negrini e Raymond Cohen, que dirigia o Círculo do Livro. O livro incluía os vencedores da categoria 7 a 11 anos!

A trajetória do Círculo do Livro, empreendimento empresarial bem sucedido, é parte de uma história ainda pouco conhecida de clubes semelhantes, entre elas a Biblioteca do Exército – Bibliex (fundada em 1881 e atuando como editora desde 1937, segundo o seu site), que merece ser melhor estudada em sua organização e relação com os sócios. Outro clube estruturado lembrado por Hallewell foi o Clube do Livro, fundado em 1943, com uma produção de um título por mês e que atingiu 50 mil sócios em 1969.

Difícil não imaginar que clubes do livro vão ressurgir nos próximos anos, como opção aos que cultivam o livro impresso, sejam confrarias pequenas de aficionados ou clubes mais estruturados economicamente, que atendam a gostos e interesses que a oferta digital centrada nos grandes negócios não vai atender.

Roney Cytrynowicz

quinta-feira, setembro 29

Selfie, coisa antiga

Auto-retrato de Matthew Paris, cronista e cartógrafo

Tá no sangue

"Biblioteca de Thorvald Boeck", Harriet Backer, 1902

Eu tenho bibliotecas em meu sangue
Charlaine Harris

A sopa de Neil Gaiman

Numa entrevista para o Estadão no começo deste mês, Neil Gaiman, questionado sobre a importância de suas antigas referências literárias, disse que hoje se sente uma sopa, com gosto de sopa. Que os autores que o influenciaram, um dia, tornaram-se ingredientes de um caldo, agora, com sabor próprio. Para Gaiman, há um momento na vida de um escritor em que ele consegue isso, ter um sabor seu e não de outro.

A metáfora vem a calhar em tempos de mil e um cursos e concursos de culinária, cada candidato investindo bravamente na originalidade do seu prato. Mas claro que nem tudo é uma questão de juntar tomate com batata, cenoura com mandioca. Nem as referências que um ficcionista tem são puramente legumes que se misturam num caldo. Cada autor de referência é também, por sua vez, uma mistura, mais ou menos saborosa, mais bem conseguida ou frustrada dependendo não desses ou daqueles ingredientes senão do modo com que são cozidos e dosados.

Uma questão de mãos e olhos, diria a sabedoria da avó, que sempre teve seus segredos de cozinha. Uma questão de manejo com o fogo, de intuição na escolha e quantidade dos temperos. Nem os mais refinados ingredientes (que, no fundo, são os da vida) bastam se faltar isso que foge às receitas. E mesmo que a avó nos guie no passo a passo com a maior das paciências, com sua autoridade de décadas de experiência, mesmo que seja um prato aparentemente muito simples, seu sabor continua a resultar de um segredo. Uma questão de ciência dos sentidos. De volúpia da língua. Regalo. Oferenda.

Dia de limpeza

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Assim começa o livro...

Quando sentia frio nos pés, mexia um pouco as pernas até ouvir o barulho queixoso dos pedregulhos no solo. Na verdade o lamento vinha dele. Nunca lhe ocorrera ficar tanto tempo imóvel como agora, atrás daquela cerca, na Estrada Grande, à espera de que o outro passasse.

A tarde morria. Temeroso, quase amedrontado, ele aproximou os olhos da mira do fuzil. Dali a pouco, com o crepúsculo, ficaria difícil fazer pontaria. "Ele vai passar antes que a noite o impeça de mirar, com certeza", dissera-lhe o pai. "Basta ter paciência, esperar."

Fazia tempo que suas articulações doíam. Já nem sentia o braço direito.

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Lentamente a mira do fuzil deslizou, ao longo da estrada, por restos de neve que não derretera. Os pastos mais adiante estavam pontilhados por romãzeiras silvestres. A idéia de que aquele era um dia extraordinário na sua vida lhe passou, nebulosa, pela mente. O cano da arma se moveu de novo, no sentido inverso, das romãzeiras para os restos de neve. O que ele chamava dia extraordinário já se reduzia àqueles restos de neve e àquelas romãzeiras silvestres, que pareciam esperar desde o meio-dia para ver o que ele iria fazer.

"Mais um pouco, está escuro", pensou, "e eu nunca poderei mirar." Na realidade, queria que o crepúsculo caísse o quanto antes, trazendo a noite, e o deixasse escapar daquela maldita tocaia. Porém, o dia se arrastava, como se se alegrasse em mantê-lo preso. Embora fosse a segunda tocaia de vendeta na sua vida, o homem que devia matar era o mesmo da primeira emboscada; assim, para ele, era como se uma fosse a continuação da outra.

Sentiu outra vez os pés gelados e outra vez mexeu as pernas, como se desse modo impedisse a friagem de subir. Mas ela já chegara à sua barriga, à garganta, à cabeça até. Uma parte do seu cérebro parecia congelada como os restos de neve mais à frente no caminho.

Não tinha condições de raciocinar. Apenas sentia hostilidade para com as romãzeiras e os restos de neve, como se, sem eles, fosse mais fácil abandonar a tocaia. Acontece que ali estavam, testemunhas caladas, e ele não iria embora.

Pela vigésima vez naquela tarde, avistou na curva da estrada o homem que devia matar. Andava com passos curtos, o cano preto do fuzil despontando no ombro direito. O que estava de tocaia estremeceu: agora não era uma visão. Era mesmo o homem que esperava.

quarta-feira, setembro 28

O Limpa-livro

Chase Wils
Chase Wils

Tudo aqui!

DE ARTE EM ARTE : PINTURAS DE VENDEDORES E LOJAS.:

Aqui reformam-se sonhos, remendam-se corações, alinhava-se otimismo, costuram-se desilusões. Borda-se carinho, pregam-se esperanças, confecciona-se amor, pesponta-se ternura, remodelam-se almas.Aceitam-se encomendas
Marilene A. Branquinho

Olho vivo

benjybrooke:
“ Lookin for a good book? My friends at @litographs just released Litographs Book Club, a free book recommendation service curated by the country’s best indie bookstores.
(this gif was made for @litographs latest Medium article “Why Do...

Náufragos na cidade

Gosto de tropeçar, lendo os jornais, num ou noutro minúsculo evento, que, embora possa parecer totalmente irrelevante para a mecânica geral do universo, me faz refletir. Foi o caso de uma breve nota sobre um sujeito, nos Estados Unidos, que ganha a vida passeando pessoas. Chuck McCarthy, na casa dos 30, é ator, ou gostaria de ser ator, mas raramente o chamam para trabalhar. Vendo pessoas a passear cães lembrou-se então de passear pessoas. “Uma maluquice”, pensou. Depois pensou melhor e foi à luta.

The whole world goes marching  And I, alone  Am wondering  Where the other half of me is.:
Deu certo. As grandes cidades são uma infinita coleção de solidões. Há mais variedades de solidões do que estilos de cerveja. Chuck conta que o procuram pessoas muito diversas. Algumas alugam-no por que se sentem mais seguras acompanhadas, sobretudo quando pretendem passear à noite. Outras gostam de ter um amigo, ainda que seja de aluguel, para mostrar aos vizinhos que não estão tão sozinhas quanto eles pensam. A solidão é uma doença inconfessável.

Recordei-me, lendo a história de Chuck, de um dos melhores contos de Gabriel García Márquez, intitulado “Me alugo para sonhar”. O escritor conta que, quando era jovem, conheceu em Viena, na Áustria, uma sonhadora profissional. A mulher, de origem colombiana, previa ocorrências em seus sonhos. Durante anos viveu (sonhando) para uma família austríaca. Márquez reencontrou-a décadas mais tarde, em Barcelona, e apresentou-a a Pablo Neruda. O poeta não a tomou a sério. No dia seguinte, porém, confessou ao amigo: “Sonhei com a mulher que sonha. Sonhei que ela sonhava comigo”. Márquez riu-se: “Isso é um conto de Borges”.

A autoironia justifica-se. “Me alugo para sonhar” deve ser o mais borgesiano de todos os contos de García Márquez. O conto discute a necessidade que quase todos sentimos de procurar na magia (qualquer forma de magia serve) algum conforto e segurança, mas também trata da solidão. Não se chega a perceber se a sonhadora recorria ao ardil dos sonhos premonitórios para conseguir cama, mesa e roupa lavada — se para conseguir o conforto de uma família.

Vivendo em grandes cidades, estamos cercados de náufragos, cada qual na sua ilha deserta. Dessas ilhas eles avistam o mundo; o mundo é que não os vê. Não conheço pior solidão.

Depois que, em 2012, publiquei “Teoria geral do esquecimento”, um romance sobre uma mulher, Ludovica, que se empareda no seu apartamento, cortando todos os laços com o mundo exterior, passei a receber cartas de pessoas que se reconhecem na personagem, ou que conheceram alguém em situação semelhante. Lembro-me da confissão de uma cubana que foi estudar em Bucareste, nos últimos anos do regime comunista. Aos 18 anos casou-se com um agente da polícia secreta. Meses depois, Nicolau Ceausescu era encostado a uma parede e fuzilado no pátio de um quartel. O agente da polícia secreta desapareceu em meio ao ruidoso tumulto daqueles dias e a jovem, aterrorizada, fechou-se em casa durante meses. “Eu fui a Ludovica!” — disse-me.

A verdade é que para escrever o meu romance me inspirei, em parte, num outro caso. A história do nacionalista e escritor angolano Adolfo Maria, que tendo sido um nome importante na luta contra o regime colonial português, fundou mais tarde uma corrente dissidente, a Revolta Ativa, cujos elementos foram presos ou obrigados a exilar-se logo após a independência. Adolfo Maria permaneceu na clandestinidade, escondido numa casa fechada, durante três anos. Num estado de solidão extrema, afirmou numa entrevista, a loucura está sempre a um braço de distância: “Vemos as paredes avançando sobre nós”. Adolfo combatia o isolamento praticando ioga e meditação. A solidão apurou-lhe a lucidez.

O que Chuck McCarthy faz podia chamar-se assistência a náufragos. Chuck acaba de inaugurar — suspeito — um ofício com imenso futuro. Talvez mesmo um amplo e revolucionário movimento social. Imagino que daqui a alguns anos as ruas das grandes cidades estejam cheias de passeadores, com os seus passeantes. Imagino os passeantes trocando impressões sobre os respectivos passeadores, enquanto recuperam o fôlego, por breves momentos, num banco de jardim:

— Como é o seu passeador?

— John?! Loquaz e divertido. Passe rápido. E o seu?

— Elegante, discreto e paciente. Na minha idade, você sabe, já não posso ter um passeador muito apressado.

Eventualmente, os passeantes começarão a prolongar esses momentos de pausa. Começarão a conversar mais uns com os outros do que com os passeadores. Começarão a passear uns com os outros. Descobrirão que é possível passear com outras pessoas sem pagar nada por isso — e então sim, teremos uma verdadeira revolução, e os passeadores perderão o emprego.

Ou talvez eu esteja sendo demasiado otimista. Por mais que me esforce resvalo sempre para o otimismo.

José Eduardo Agualusa

terça-feira, setembro 27

Ilumina-te!

La lectura, faro de conocimiento (Ilustración de Mark Conlan)
Mark Conlan

Digitalizar livros

Há ainda muitos livros impressos nas nossas estantes que são de um tempo anterior aos computadores e à paginação electrónica. Foram publicados no tempo dos caracteres de chumbo ou dos fotolitos e, por isso, não há ficheiros digitais nos quais estejam guardados. De vez em quando, alguém se lembra de que seria bom pô-los outra vez a circular no mercado e, quando isso acontece, dá muito jeito que alguém que tenha o livro em casa o empreste para ser digitalizado. Para dizer a verdade, fujo de o fazer; porque normalmente é preciso desfazer o livro, separá-lo da capa e digitalizar uma página de cada vez. Quando mo devolvem, é raro estar nas melhores condições… Mas parece que esse problema vai ser em breve resolvido: uma equipa de investigadores do MIT está a desenvolver uma tecnologia avançada que permitirá digitalizar livros inteiros – pasme-se! – sem ter de os abrir. Esquisito, não? Também me pareceu, mas leio que é possível com o recurso a radiação tetrahertz, que é absorvida pelo papel e pela tinta de uma forma especial. Não pesco nada da matéria (por isso vos deixo um vídeo, em inglês, que podem ver e ouvir), mas, se isto for para a frente, tenho a certeza de que muitíssimas bibliotecas do mundo ficarão gratas a estes investigadores.

Violência moderna

Sou um livro de autor premiado

Papel de 80 gramas, traduzido, paginado e revisto sem pressas, com todas as regras que o melhor profissionalismo editorial exige. Foi assim que fui feito, depois de ter nascido da mão de um escritor, eu e mais 3000 irmãos gémeos verdadeiros. Deram-me uma capa. Infelizmente não é dura, como as que se dão aos clássicos, mas é condigna e tem uma foto tratada em photoshop, linda, como se usa agora. Assinado por um autor premiado e com boas críticas, tudo devidamente destacado numa cinta de cor garrida. Com um título sugestivo, estou sentado – ou melhor deitado, porque um livro sozinho não se consegue sentar, a menos que peguem nele –, como dizia, estou deitado numa mesa central da livraria, ao lado de outros romances, alguns tão novos quanto eu, à espera. Dizem, os mais velhos, que sou um sortudo, que a maior parte deles vai sozinho para as prateleiras de canto, enquanto esperam, coitados, de pé. Mas eu tenho tudo para que me vejam, toquem, cheirem, abram e, de um impulso, me levem.


Parecem passos, acho que vem aí alguém, não esperava que fosse tão rápido. Não consigo distinguir se é homem se é mulher, jovem ou mais velho. Disseram-me, em conversa com os outros, que a livros como eu costumam levá-los as mulheres maduras. Espero então que quem se aproxima seja uma mulher. Não vai ficar desapontada com o que tenho para lhe contar: o meu autor é, como já disse, premiado. Mas, para além disso, eu tenho tudo. Intensidade dramática, personagens bem construídas, uma narrativa fluida, ao mesmo tempo poética, bem escrita, original e um fim, esse então, completamente inesperado.

Sempre era uma mulher, mas não me levou, preferiu outro, um com uma flor na capa e corpos nus deitados. Não desespero, há-de aparecer alguém com mais bom gosto. Digo eu!...

Os meus pensamentos começam a ficar confusos, não sei se passou um dia, se passaram 15 dias ou meses. Seja como for, o tempo começa a esgotar-se. Senão aparecer ninguém rapidamente… Nem quero pensar nisso.

Finalmente, pegam em mim. Espera!... Eu conheço-o. É o livreiro que me pôs aqui, aquele que de vez em quando vem dar-me um jeito, virar-me com a cara para cima, porque me deixam desleixadamente de cara para baixo. Sejamos sinceros, quem é que gosta de estar de traseiro virado para os outros?

Mas, o quê...? Ele não veio para me virar para cima, porque assim já eu estou. Sei qual vai ser o meu destino. Já tinha ouvido rumores, contados com desprezo por aqueles que dizem ser de uma estirpe diferente, os livros de top. Todos achávamos que não passavam de rumores. Agora sei que é verdade, e está a acontecer comigo.

Fui levado numa caixa de cartão, juntamente com muitos outros indesejados da mesma editora, sem respeito, nem cuidados especiais, em monte, uns em cima dos outros, como se fossemos livros sem direitos e sem qualquer identidade. E agora é o fim, ingloriamente transformado em pasta de papel.

Eu tinha tudo, ouviram!?... Sou um livro de autor premiado!

Jaime Bulhosa

segunda-feira, setembro 26

Começando o dia

mzapplebee:
“Elisa Ferro
”
Elisa Ferro

150 anos de H. G. Wells

A guerra dos mundos (1898) é provavelmente a primeira história de invasão da Terra. Até então, existiam histórias em que ela era visitada por seres de outros planetas que vinham meramente no papel de observadores filosóficos. Foi Wells quem teve a ideia de dar a esses habitantes alienígenas uma civilização e uma tecnologia comparáveis às nossas e, em alguns aspectos, superiores; e de colocá-los contra nós na disputa pelo espaço vital de que precisavam, quando viram esgotados os recursos do seu próprio planeta.

Este livro surgiu durante o primeiro e mais literariamente brilhante período da carreira de H. G. Wells (1866-1946), quando ele produziu uma impressionante série de romances misturando informação científica, especulação filosófica e conhecimento jornalístico, além de um domínio seguro da narrativa de ação e aventura. Em pouco mais de uma década ele publicou A máquina do tempo (1895),A ilha do dr. Moreau (1896), O homem invisível (1897), A guerra dos mundos (1898), entre outros, além de dezenas de contos extraordinários.

The Building of Massive Structures to Reach God, Echoing Ancient Babylon and Their Foolish Attempts at Trying to Reach He Who Created Them:
Igor Morski
Toda essa produção, pela sua qualidade e originalidade, chega a parecer a explosão de uma supernova num céu noturno, considerando-se ser um escritor tão jovem (publicou A máquina do tempo aos 29 anos) e que também escrevia fartamente em outros gêneros. Seus romances mainstream não tiveram uma sobrevida editorial tão longa quanto a sua ficção científica, mas tiveram êxito na época, e são bem aceitos por muitos críticos até hoje.

Wells é um desses escritores de talento que têm a sorte de enriquecer muito cedo com seus escritos e usar esse sucesso para tentar mudar o mundo. Viajou muito, discutiu com luminares e estadistas de toda parte. Publicou dezenas de ensaios de história, sociologia especulativa, futurologia. Na história da ficção científica talvez somente Arthur C. Clarke tenha exercido um ativismo em escala internacional como o seu (Isaac Asimov ou Ray Bradbury também poderiam tê-lo feito, se viajassem de avião). Quanto às suas previsões futuristas, são mais ambiciosas do que as de Jules Verne, até porque foram publicadas sob forma de ensaios para uma futurologia.

Em suas obras filosóficas e de especulação histórica, Wells tentou imaginar para o futuro uma civilização mais humanista do que a nossa, no sentido de ver cada ser humano não apenas como um animal provido de força de trabalho ou um número numa estatística. Um modo de viver onde se reconheça que o trabalho e o consumo são termos de uma equação mais complexa, e não a fórmula essencial da vida.

Mas Wells não é um cientista que escreve, é um jornalista científico. Um jornalista da pena rápida e verbo fluente, mas com base na ciência. Não falo de conhecimentos científicos profundos; para um escritor como ele bastava ter um correto entendimento do que é o método científico, do grau de honestidade factual e da boa informação técnica necessários para construir as hipóteses especulativas que a ficção científica requer.

Os marcianos de Wells são o primeiro retrato do alienígena como encarnação do Outro, do Estranho, de tudo que representa o nosso medo diante do desconhecido, e principalmente de um desconhecido que nos provoca repulsa. Neste sentido, A guerra dos mundos trouxe aos leitores da época uma vigorosa e verossímil descrição literária de um Monstro Legião, um monstro que, ao contrário do monstro de Frankenstein, não é uma criatura isolada fabricada no sótão de um cientista imprudente. É uma espécie inteira, rival da nossa, disputando conosco um território que até então tínhamos imaginado ser exclusivamente nosso.

Braulio Tavares

É a vida!

Muitos ouvem vozes quando estão lendo

Senhor do Tempo:
Se você nunca passou por isso, provavelmente achará essa experiência bem estranha. Mas acontece que muitas pessoas por aí que ouvem vozes quando estão lendo. Por vezes só a voz do narrador, por vezes as vozes dos personagens, como se eles próprios estivessem lendo seus diálogos.

A cientista Ruvanee Vilhauer, da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, ficou curiosa sobre esse comportamento e decidiu pesquisá-lo mais a fundo. O resultado foi publicado recentemente no periódico Psychosis.

Ruvanee partiu de 160 postagens – 136 respostas e 24 perguntas – no Yahoo! Answers relacionadas à experiência de ouvir vozes durante a leitura. Ela então contratou uma equipe de programadores para categorizar os conteúdos, de forma que eles pudessem ser quantificados e analisados.

Ao analisar os dados, a cientista descobriu que 82,5% das pessoas que participaram das interações no Yahoo! Answers já tinham ouvido uma ou mais vozes durante suas leituras – entre elas, estavam leitores que também ouviam os sotaques dos personagens.O mais curioso é que a maioria delas presumia que todos tivessem esse tipo de experiência.

Um total de 10,6% nunca ouviu vozes durante a leitura e mostraram espanto sobre a possibilidade de alguém passar por experiências desse tipo. A pesquisadora notou ainda que dez dos internautas só perceberam que ouviam vozes ao ver alguém comentando sobre o assunto.

Esse é um dos primeiros estudos sobre o assunto. Ruvanee acredita que isso se deva ao fato de os cientistas, como muitos dos internautas avaliados, presumirem que todos tenham experiências como as deles.

domingo, setembro 25

Aparelho reciclado

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Anéis para apaixonados pelo livro

 Depois dos anéis com a arquiteturas icônicas de várias cidades do mundo, eis os feitos exclusivamente para os apaixonados por livros! Criados pela americana Roxy Becofsky, a designer se inspira na literatura para dar vida à sua série de joias em ouro e prata. Roxy faz cada uma das peças à mão, o que lhe proporciona maior liberdade para transformar a maioria de suas ideias em novos produtos.

“Cada peça que eu faço é trabalhada em prata esterlina sólida. Eu desenho, faço a escultura, moldo, elenco e finalizo tudo sozinha. Sem terceirização! Minha loja ‘Xanne Fran’ é uma empresa de uma só mulher.”

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Cada anel é feito individualmente e todos eles são únicos em sua própria maneira. A designer avisa que eles possuem pequenas falhas no metal e algumas partes podem ser ligeiramente mais escuras ou mais claras do que o retratado nas imagens.

A artista também cria modelos específicos para cada cliente, sob encomenda, com design personalizado. Além dos livros, Roxy trabalha em cima de outros temas como sereias, mapa mundi, botões, flores, foguetes.
Fonte: Follow the Colours

Luz e sombra

Emiliano Ponzi

A paixão pelo detalhe do García Márquez cronistas

Dario Arizmendi, naquela época e ainda hoje diretor do programa 6AM, da rádio Caracol, chamou de lado Luzangela Arteaga, que nem sequer completara 30 anos de idade, puxou-a para fora da cabine do programa e, sem rodeios, disse: “Sou muito amigo do Gabo, ele está preparando uma coisa especial, não sei o que é, mas me pediu para indicar uma pessoa detalhista, discreta, alguém especial. Pensei em você. Amanhã mesmo você vai para Cartagena”.

-- Assim, de uma só tacada, o mestre entrou em minha vida.

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Arteaga lembra, em uma tarde do inesgotável outono de Bogotá, já com 51 anos, como chegou então à cidade do Caribe colombiano, ligou para o telefone que Arizmendi lhe havia dado e foi até a casa “totalmente branca” de García Márquez. Naquele dia, deparou com um homem “muito sério, frio, muito diferente do que viria a ser dali em diante”. O Nobel colombiano a convidou a entrar e ambos se dirigiram diretamente para uma mesa de trabalho.: “Olhe, estou trabalhando nisso aqui”, disse ele, antes de ler para ela aquilo que seria o rascunho do primeiro capítulo de seu próximo livro, Notícia de um sequestro, cujo lançamento completa, agora, 20 anos. Nos dois anos seguintes, Arteaga seria a sombra sempre presente na produção da reportagem com a qual Gabo voltava ao jornalismo.

Maruja Pachón e seu marido, Alberto Villamizar, tinha proposto a García Márquez a ideia de escrever um livro com base na experiência dela durante o sequestro de que fora vítima dois anos antes. O escritor já estava bastante avançado no primeiro rascunho quando se deu conta, como ele mesmo relata na introdução ao texto, de que não faria sentido desvincular aquele sequestro dos outros nove que haviam ocorrido no mesmo período, em uma colômbia castigada pelo narcotráfico e submetida aos desmandos de Pablo Escobar, personagem que atravessa implicitamente toda a obra.

É nesse momento que Arteaga, bastante cautelosa ao falar sobre o livro nesta comemoração de seus 20 anos, passa a ocupar um papel fundamental. “Naquele dia, na sua casa, ele me contou os detalhes infindáveis que queria comprovar”, lembra a jornalista. “Para ele, o fato de os protagonistas de eventos tão espantosos se abrirem para ele foi maravilhoso”. Mas isso não bastava. Gabo queria mais. “Precisava ambientar aquilo que lhe relatavam, o que havia do lado de fora, confirmar até o mais mínimo detalhe, saber quanto frio estava fazendo, os semáforos que existiam por perto, os tiros que foram dados. Queria saber absolutamente tudo. Essa foi a minha tarefa ao longo dos dois anos que se seguiram”.

Depois de fazer incontáveis entrevistas, em que Gabo, como relata Maruja Pachón, insistia até a exaustão para fazer os personagens exporem todos os detalhes, sua prima-irmã e secretária particular, Margarita, transcrevia as horas todas de gravação. A partir disso, ele se reunia com Arteaga: “Um encontro com o mestre era sinônimo de tarefas para dois meses”. Os dois se punham a revisar as anotações sobre as transcrições e a falar sobre os cenários. Sobre os detalhes. Sempre os detalhes. Foi nesses momentos que Arteaga se deu conta da grandeza do Nobel. “Não havia espaço para dúvidas, e, quando isso acontecia, íamos em frente até checar tudo. Se não conseguíssemos fazer isso, aquilo não entrava no livro”.

O apego de Gabo às minúcias não tinha limite. “Ele queria ir à casinha onde Maruja e Beatriz tinham ficado, queria entrar no banheiro... Ou entrar no carro de onde elas foram tiradas e levadas depois para se encontrar com Marina. Elas tinham contado, como aparece no livro, que conseguiam respirar e ver alguma coisa. Ele queria saber exatamente o que. Fui atrás desse carro durante dois anos, mas foi impossível achar”, lembra Arteaga. Embora hoje ache graça, foi um trabalho exaustivo de verificação, em que tinha de se empenhar profundamente. “Eu vivia angustiada, não podia haver nenhuma imprecisão, tive o cuidado de fazer com que tudo o que eu informava a ele fosse acompanhado de alguma documentação”, relata, mostrando alguns papeis que ainda guarda: recortes de jornais, revistas, documentos, solicitações oficiais... Nem tudo aquilo foi utilizado. Alguns itens estavam ali por mera curiosidade, como o resumo que teve de fazer para ele das novelas que Pacho Santos, ex-vice-presidente da Colômbia, assistia no seu cativeiro.

sábado, setembro 24

Café da manhã

Reading:

O cadáver distraído

Big blog is watching you: Hans Holbein, o Jovem:
Hans Holbein, o Jovem
Era tão distraído que, no dia em que morreu, continuou por aí, como se nada tivesse acontecido.
Luis Giffoni 

Não há incompatibilidade

Vacation: Surfing with the books /Vacaciones: surfeando entre libros (ilustración de Chris Gall) Via: faredisfare:
Chris Gall

Mil livros até ao Natal

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Uma aldeia portuguesa situada a mais de mil metros de altitude tem apenas cerca de 150 habitantes, dos quais 15 ou 20 são crianças e adolescentes. Mas não é por isso que não merece uma pequena biblioteca (foi, pelo menos, o que o dramaturgo Abel Neves, com casa no local, achou) e há quem esteja a lutar por ela com unhas e dentes. Em Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre, a Junta de Freguesia quer pôr a sua gente a ler e até já tem algumas prateleiras cheias de livros que vieram de muitos lados, Brasil incluído, provando que os leitores são sempre generosos. A iniciativa Um Livro para Pitões foi lançada por Rui Barbosa, um bracarense apaixonado pelo Parque Natural da Peneda-Gerês, e tem uma página no Facebook (ver no fim da mensagem) que apela à doação. O objectivo é que se consigam 1000 livros até ao Natal para formar uma biblioteca que faz falta num lugar que é um pólo cultural muito interessante, no qual se realizam já as Jornadas das Letras Galego-Portuguesas, o Fiadeiro dos Contos e ainda a celebração do Entrudo, que leva milhares de forasteiros a Pitões. Os livros podem ser enviados pelo correio ou entregues em mão (o pretexto é, de resto, óptimo para visitar esta terra linda). De que está à espera com tanto livro lá em casa em que já não voltará a pegar?

sexta-feira, setembro 23

Dica de passeio

Paris. A porta estreita.:

Perguntas

Num tempo em que muitos dos escaparates de algumas Livrarias e das grandes superfícies comerciais exibem os livros escalonados pela quantidade de exemplares vendidos, os célebres top 10 ou top 20, interrogamo-nos, com excessiva estranheza, por que não figuram outros autores e outros livros. Os escritores, que admiramos, estão expostos em estantes mais discretas. Obrigamo-nos a procurá-los num lugar mais recôndito da Livraria.

Por que razão se destacam os livros por esse critério? Será que ser conhecido socialmente dá notoriedade e grandeza a uma escrita? Terá a máquina publicitária a capacidade de transformar um informe registo escrito num best seller? 

Há um leque de livros cujos autores são figuras dos Media, desportistas, videntes, figuras do denominado jet set, etc. Os livros que produzem apostam na exposição mediática dos seus autores. Que tipo de serviço prestam as Editoras publicando estes livros? Servirão a Cultura? Defenderão a Literatura ou olharão apenas para os próprios interesses comerciais tendo como finalidade primeira o aspecto económico, o lucro?

Pedaço do tempo

Lenda do nascimento de Sargão I, em escrita cuneiforme, século VII aC.(Biblioteca Britânica)

Restaurada biblioteca mais antiga do mundo

A biblioteca Al Quaraouiyine em Fez, no Marrocos, é considerada a mais antiga do mundo e em breve estará de novo aberta ao público, depois de três anos fechada para recuperação. A abertura estava prevista para setembro, mas não tendo sido possível cumprir o prazo, o projeto deve estar completo ainda antes de 2017.

Aziza Chaouni, a arquiteta encarregada de recuperar esta biblioteca, explica que todo o processo é como “curar feridas”, tendo sido renovado o edifício e alguns dos tomos históricos da biblioteca. “Espero que as pessoas vejam a biblioteca como uma segunda casa”, acrescentou a arquiteta em entrevista à AP.


A biblioteca tinha sido fechada para obras para resolver um problema de umidade que estava a causar a deterioração dos livros e de manuscritos. Foi refeito o sistema de esgotos e o sistema de canalização da biblioteca e foi também criado um laboratório para tratar e fazer uma recuperação de textos mais antigos, bem como digitalizá-los.

A biblioteca da Universidade Al Quaraouiyine alberga vários livros com grande valor histórico, sendo um dos mais preciosos um Alcorão — o livro sagrado do Islamismo — do século IX, escrito em cúfico, a caligrafia árabe conhecida mais antiga. O texto está escrito em pele de camelo. Ao todo existem mais de 4.000 livros raros entre o espólio, segundo a Associated Press.

A biblioteca foi fundada por Fatima al-Fihri no século IX d.C. O projeto desta filha de um mercador rico era o de criar um complexo que incluía a biblioteca, mesquita e universidade de Al Quaraouiyine. A Universidade é considerada a mais antiga de sempre, tendo sido oficialmente fundada em 859 d.C.

Nas últimas décadas a biblioteca estava reservada a académicos que pediam acesso prévio a certos documentos. No entanto, o novo projeto da biblioteca pretende que esta esteja aberta ao público em geral, informa o jornal inglês The Guardian.

Esta preservação e recuperação do edifício e de alguns destes livros ganha importância na atualidade, já que vários grupos extremistas destruíram monumentos e documentos históricos, como o saque da biblioteca de Mosul, tendo sido queimados milhares de manuscritos, ou a destruição da cidade de Palmira.
Fonte: Observador

quinta-feira, setembro 22

Hora de café e sonhos

The Extraordinary Illustrations By Lucas de Alcântara | Abduzeedo Design Inspiration & Tutorials:

Da minha mesa de trabalho

Passagem do tempo. Quando os bebês nascem é comum os pais saberem o progresso de seus filhos. Engatinham com tantos meses, falam com outros tantos. Sabemos tudo. Quando anda, quando nasce o primeiro dente.

O mesmo não acontece com o envelhecimento. Cada qual envelhece de maneira própria. Uns são grisalhos aos trinta anos, outros só aos sessenta. Engordamos. Rugas se aninham nos olhos. Hormônios desaparecem. Juntas sofrem. Tudo isso em diferentes idades e de maneiras diversas. Somos o resultado das nossas escolhas pregressas, da genética e do acaso.

Estou num momento em que tenho amigas da mesma idade que eu, amigas vinte anos mais velhas e amigas tão jovens que poderiam ser minhas filhas.

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Dizem que envelhecer está na cabeça. Não é bem verdade. O corpo envelhece. Há dores. Perde-se audição, visão, um tanto de mobilidade, mesmo para aqueles mais devotos à vida saudável, restrições abundam.. É uma batalha constante o mero sobreviver.

Envelhecer se reflete também nas atitudes. Hoje temos inúmeras melhorias no envelhecer e desafios incalculáveis. Eletrônicos, internet, ferramentas e aplicativos exigem destreza nas mãos artríticas e são uma barreira entre aqueles que se habilitam e os que resistem a inovações.

Recentemente ajudei uma amiga a instalar alguns aplicativos no seu celular. Ela, já na oitava década de vida, saiu da comunicação por papel à comunicação por celular sem passar pelo email. Nunca dominou a arte de receber e passar emails. Ela não está sozinha. Há ainda muita resistência aos “novos métodos”. A divulgação constante de fraudes na internet não ajuda a quem já fragilizado pela idade, se sente um pária no mundo informatizado. Vulnerável.

A resistência às inovações aumenta a percepção do envelhecimento. Todos nós preferimos o que conhecemos. Mudar requer esforço. Tenho visto muita resistência à entrada nas redes sociais pelas amigas mais idosas. Pena. Perdem a oportunidade de se conectar com netos, sobrinhos, amigos distantes e de fazer novos conhecidos. Já vivem uma vida de grande reclusão, este seria um bom paliativo para o distanciamento. Vejo também resistência ao livro eletrônico. No entanto, ele é de grande ajuda para quem já não enxerga tão bem e para quem não pode levantar muito peso na mão artrítica. Não só o livro ficaria mais fácil de segurar, como o preço reduzido ajudaria no bolso cada vez mais vazio do aposentado.

Produtos eletrônicos poderiam servir melhor a todos, com botões de fácil manejo para dedos imprecisos e explicações claras, beabá, porque nem todos têm um adolescente na família que possa ou queira dar instruções a seus familiares.

Não está fácil essa adaptação ao mundo virtual, para os mais velhos ou para quem resiste a mudanças. Mas assim como temos que nos exercitar e comer equilibradamente, também temos que nos manter em dia com as inovações. Não adianta resistir. O mundo muda, sempre, a toda hora. Mesmo que seja incômodo, temos que ir junto. Seria uma maneira do envelhecimento se tornar um pouco menos restritivo.

Halterofilista

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Os livros mudam o mundo?

Os livros mudam o mundo? Interferem eles com as pessoas, a ponto de transformá-las e transformar toda a sociedade? Se você acha que não, permita-me discordar. Mudam, sim. Alguns livros têm o extraordinário poder de convencer-nos, seduzir-nos e levar-nos a acreditar em seus argumentos. De quebra, carregam o mundo na esteira de sua lógica. Aliás, carregam até mundos. 

Livros...um portal para outros mundos...:

Um desses livros mexeu não só com a Terra, mas ainda com o Sol, a Lua e os planetas. Refiro-me a um tratado de astronomia que, há mais de 2300 anos, faz a cabeça das pessoas. Adotado pela Igreja como dogma, fez até a cabeça de Deus, que passou a punir quem desacreditava em seus ensinamentos. Ai de quem duvidasse dele. Que obra é essa? Trata-se da multimilenar "Do Céu", escrita por Aristóteles, o genial filósofo grego que deu pitaco em todo o conhecimento de sua época, fundou muitas das atuais ciências, além de fazer a cabeça de seu aluno Alexandre, o Grande, que espalharia o conhecimento do mestre até a Índia. 

Pois Aristóteles defendia que a Terra estava no centro do Universo, cercada por dezenas de esferas em cujo interior tudo girava. Tão convincente foi que, por mais de 1500 anos, o geocentrismo prevaleceu. Muita gente foi para a fogueira por discordar que a Terra estivesse no centro do universo, embora o heliocentrismo tivesse surgido pouco depois da morte de Aristóteles, na própria Grécia, com Aristarco de Samos. O mais engraçado é que, em pleno século 21, um quinto dos norte-americanos e dos europeus ainda continua aristotélico, isto é, acredita que o Sol gira ao redor da Terra. 

Livros fazem ou não fazem a cabeça da gente?

quarta-feira, setembro 21

Bom para comer

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Quarto de Zênon

one room schoolhouse: Zênon adorava o quarto atapetado de volumes, a pena de ganso, o tinteiro de osso, utensílios de um novo conhecimento, e a riqueza que consistia em aprender que o rubi vem da Índia, que o enxofre se combina ao mercúrio e que a flora denominada lilium em latim chama-se krinon em grego e susamah em hebraico. Percebeu depois que os livros divagam e mentem como os homens e que as prolixas explicações do cônego tinham amiúde por objetivos fatos que, não o sendo, prescindiam de qualquer explicação
Marguerite Yourcenar, A obra em negro

O que fazer?

A elegância é a alma do negócio

A lendária editora americana Alfred Knopf comemorou seu centenário em 2015. Como parte das celebrações, produziu um livro no qual consta uma lista completa com todos os títulos editados pelo selo, ano a ano. Na introdução, Charles McGrath — ex-editor da seção de livros do The New York Times e atual colaborador da New Yorker — fez um perfil, independente e isento, da editora.

Para mostrar como na época da fundação da Knopf os tempos eram outros, McGrath lembra o leitor da ausência de paperbacks, clubes de livros, cadeias de lojas e de qualquer tipo de edição eletrônica. Ele chama a atenção para o fato de que os livros eram todos compostos a partir de linotipias em metal, impressos em máquinas offset não digitalizadas e costurados, nunca colados. Também não havia leilões ou disputas entre editoras pelos direitos de um livro, até porque, para ser apresentado a mais de um editor, o manuscrito teria que ser todo redatilografado, já que ainda não era possível fazer múltiplas cópias dos originais.

Assim, diz ele, o mundo da edição era povoado por gentlemen — o que significa que as regras de competição entre as editoras eram menos selvagens e que as mulheres não eram muito bem-vindas, a não ser ocupando cargos menores na hierarquia. Além disso, se no início do século XX um judeu almejasse trabalhar no mundo dos livros, sobretudo em algum posto de direção, teria que montar sua própria editora.

Após ter se graduado pela Universidade Columbia, onde entrou com apenas dezesseis anos, Alfred Knopf começou sua vida editorial trabalhando na Doubleday, primeiro no setor de contabilidade e posteriormente no de propaganda e divulgação. Saiu de lá aos 22 anos e com cinco mil dólares no bolso para fundar a sua editora.

A Alfred Knopf publicou, durante muitos anos, mais autores estrangeiros do que norte-americanos, escolhidos por ele e por sua assistente editorial, Blanche Wolf, que depois de um tempo se tornaria Blanche Knopf. A escolha, aparentemente esnobe, dos livros que formaram o catálogo inicial da Knopf se devia muito ao gosto dos dois, principalmente ao de Blanche, mas também pode ser explicada por um motivo mais mundano. Com o antissemitismo reinante na sociedade americana da época, poucos autores nascidos no país aceitavam ser publicados por uma editora cujo dono era judeu. (É curioso notar que na biografia de Blanche Knopf*, recém-lançada nos Estados Unidos, esta aparece como cofundadora da Knopf, a quem foi prometida participação igualitária nas ações da companhia, tendo por fim recebido apenas 25%.)

Alfred Knopf era um editor peculiar. Com seu moustache proeminente, vestia-se como um dândi, sempre com ternos de seda e gravatas muito coloridas. McGrath diz que John Updike, de quem Knopf, com o tempo, ficou muito amigo, descrevia o editor como um misto de imperador vienense com pirata bárbaro. Pois o “pirata bárbaro” não gostava de livros que deveriam ser editados fortemente, desprezava, de certa forma, o trabalho de edição de texto, e achava que os editores eram pessoas que costumeiramente compravam direitos de livros que ninguém queria ler. Knopf em geral seguia as escolhas de sua mulher e indicações de amigos, como o sarcástico crítico cultural H. L. Mencken. Os releases escritos por ele mesmo para os livros que publicava soavam muito mais como “malhos descarados” de um gerente comercial do que sinopses editoriais. Aliás, ele mesmo gostava de vender os livros para parte dos clientes.

O imperador vienense mostrava-se presente no gosto acentuado pelo design gráfico, mais especificamente pela arte tipográfica. Parecia querer vestir seus livros tão elegantemente como ele próprio julgava trajar-se no dia a dia. Curiosamente, o terceiro e atual publisher da casa, o indiano Sonny Mehta, conhecido por sua extrema discrição, um dia ganharia menção como um dos homens mais elegantes de Nova York. Justamente Sonny, que trabalha quase sempre com o mesmo uniforme: calça jeans, tênis preto, blazer azul e suéter preto de gola rolê.

McGrath comenta, com muita graça, que Sonny, que não liga para moda ou qualquer tipo de badalação, ganhou justamente o prêmio que mais encantaria Alfred Knopf e que este nunca viria a receber.

O amor pela tipologia e pelo acabamento sofisticado nas impressões, associado às relações íntimas de Blanche Knopf com escritores europeus, como Albert Camus e Thomas Mann, fará com que Alfred consiga criar uma das marcas mais perenes de qualidade da história editorial de todos os tempos. Vem de Blanche também o interesse da Knopf por autores latino-americanos, como Gilberto Freyre e Jorge Amado, que acabou se tornando amigo do casal. A edição da única tradução de Grande Sertão: Veredas para a língua de Henry James também entra na conta dos méritos do casal Knopf, embora, segundo dizem, ela esteja longe de fazer jus ao original.

É justamente neste ponto que o exemplo da Knopf é singular. Seu proprietário respeitava tanto a aura gráfica dos livros — que venerava tátil e esteticamente —, quanto tinha noção de que através desse cuidado conseguiria fixar uma marca para sua empresa, fazendo que autores e leitores diferenciassem seus livros dos outros disponíveis no mercado. Buscava assim que os escritores escolhessem a Knopf, principalmente por conta do tratamento gráfico que a editora lhes proporcionava. O mesmo valeria para os leitores, que diferenciariam os livros bonitos e bem cuidados que exalavam um espírito de qualidade e se destacavam nos balcões das lojas e magazines. Curiosamente, os livros americanos, por tradição, não trazem o logotipo da editora nas capas, apenas na lombada e dentro dos livros. Mesmo assim, o cuidado gráfico de sua linha era tal que a marca da Knopf na capa tornava-se quase dispensável. E, de fato, os borzois — os esguios e elegantes cachorros russos, xodó de Leon Trotsky — que compõem o símbolo da editora nunca simularam caminhar elegantemente sobre as capas, apenas na lombada ou dentro dos livros.

Alfred Knopf, assim como Allen Lane — fundador da Penguin, cuja história já contei em outro texto —, tinha a clara noção de que precisava de um logotipo forte. Knopf seguiu a sugestão da esposa. Anos depois, Blanche chegou a comprar um casal borzoi, para tê-los também em sua vida doméstica. Segundo McGrath, o casal ficou com os animais por pouquíssimo tempo. Alfred e Blanche acharam que os cachorros tinham um comportamento covarde, estúpido e desleal. Curiosamente, a fidelidade que o editor conquistou para a sua marca foi adquirida utilizando a imagem de um animal que, com a convivência, lhe pareceu tudo, menos fiel.

Um aspecto muito importante para entender a personalidade da editora Knopf e a fama que mantém por mais de um século está no fato de a editora ter sido dirigida até hoje por somente três publishers: Alfred Knopf, Robert Gottlieb e Sonny Mehta. Do dândi fanático por tipografia, a editora passou às mãos de um editor excêntrico e dinâmico. Vindo da Simon and Schuster, Gottlieb agia por intuição, fazia reuniões deitado no chão, de meias, e pouco ligava para encontros ou trajes formais. Foi o escolhido para substituir Alfred Knopf no ano de 1972, quando a editora já pertencia ao grupo Random House. Extremamente centralizador, Gottlieb tinha um carisma diverso de seu antecessor. Falava muito nas convenções de venda e era conhecido por sua capacidade de convencimento. Tinha excelente relação com as maiores agências literárias, que muitas vezes escolheram a Knopf para seus autores mais importantes, graças ao contato próximo com seu publisher.

Leia mais o artigo de Luiz Schwarcz

terça-feira, setembro 20

Sempre uma viagem

Abrimos el libro: empieza la aventura del viaje (ilustración de Julia Yellow)
 Julia Yellow

A última que fica

Um romance não é um argumento, mas uma impressão
Thomas Hardy
astromonster:
“ Kent Bellows, cover illustration for Rolling Stone of Philip K. Dick, 1975
“You gave me a reflected self or identity and I suddenly believed I was real…From the moment I saw your picture, I was changed back to my old, real self…you...

Leitor novo na praça

 :

Posse de ontem

everythingistouchable:
“
Secure By: István Kerekes  ”

István Kerekes


Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las, e que essas perdas, agora, são o que é meu. Sei que perdi o amarelo e o preto e penso nessas impossíveis cores como não pensam os que vêem. Meu pai morreu e está sempre ao meu lado. Quando quero escandir versos de Swinburne, eu os faço, dizem-me, com sua voz. Só o que morreu é nosso, só é nosso o que perdemos. Ílion se foi, mas Ílion perdura no hexâmetro que o pranteia. Israel se foi quando era uma antiga nostalgia. Todo poema, com o tempo, é uma elegia. São nossas as mulheres que nos deixaram, não mais sujeitos à véspera, que é angústia, e aos alarmes e terrores da esperança. Não há outros paraísos senão os paraísos perdidos.
Jorge Luís Borges

segunda-feira, setembro 19

Livreiro em Kabul

Library in Kabul, Afghanistan.                www.vinuesavallasycercados.com:

Desespero de escritor para salvar dois inéditos na casa em chamas

Se você só pudesse escolher uma coisa para salvar de sua casa durante um incêndio, o que seria? O escritor e ator Gideon Hodge soube, de uma maneira bem clara, qual era a sua resposta na quinta-feira, 15 de setembro, quando se viu nessa situação e escolheu o computador, onde tinha guardados dois romances terminados, mas ainda sem publicar.

Seu desespero para entrar em casa e salvar seu trabalho do fogo foi captado pelo fotógrafo da agência de notícias AP, Matthew Hinton. A imagem, registrada no bairro de Broadmoor, em Nova Orleans, Estados Unidos, resume, graficamente, a angústia do protagonista.

"Qualquer um que tenha criado arte sabe que não existe nenhum substituto para isso", explicou o autor em declarações ao meio local The New Orleans Advocate. O escritor, de 35 anos, estava no trabalho quando sua esposa ligou para contar sobre o incêndio. Ao chegar ao local, apesar dos gritos dos bombeiros que trataram de convencê-lo a se afastar, Hodge entrou na casa e resgatou seu computador. "Nem sequer pensei se estava assustado", contou ao estar já fora de perigo e com seu trabalho a salvo. Hodge já tem um livro publicado, Lilith's Redemption, e guardava em seu computador as únicas cópias existentes de duas obras inéditas.

De acordo com os bombeiros que trabalharam para apagar o incêndio na casa, o fogo teria se originado em uma residência vizinha, que estava desabitada, mas as causas ainda seriam desconhecidas. A emissora ABC News informou, além disso, que ninguém ficou ferido, já que todos conseguiram fugir das chamas a tempo.