Que felicidade abrir o jornal O Globo da última quinta-feira e ler a notícia de que a livraria Leonardo Da Vinci reabriu suas portas, após uma reforma realizada pelo novo dono, Daniel Louzada. Para mim, a reabertura da Da Vinci tem forte carga nostálgica: nos meus tempos de universitário, eu estagiava em um escritório de advocacia no edifício Bozano Simonsen e, às vezes, conseguia dar uma escapulida para descer a rampa rumo ao subsolo do edifício Marquês do Herval. Ali, vestindo meu terno amarrotado, eu podia me esquecer por alguns minutos das recuperações judiciais e dos prazos de agravo de instrumento para mergulhar nos livros de arte, filosofia e ciências — tão distantes da minha vidinha universitária e, talvez por isso, tão desafiadores.
Após a visita à livraria Da Vinci, era de lei uma passada rápida (ou nem tão rápida) no sebo Berinjela, claro. Nos dias mais tranquilos (ou após o expediente), o passeio pelas livrarias do Centro era ainda mais longo e oferecia múltiplas possibilidades: eu podia andar até a Cinelândia, passando pela livraria Saraiva do Edifício Avenida Central, para chegar à livraria Cultura, recém-inaugurada na época, com espaço para teatro, café, livros e DVDs, ou, em outro trajeto, andar pela Rua Sete de Setembro para passar nas livrarias Travessa e Saraiva, antes de dedicar alguns bons minutos aos livros mais “alternativos” vendidos na filial da livraria Travessa, na Travessa do Ouvidor.
Eu ficava nesses lugares por muito tempo, descobrindo clássicos e lançamentos, folheando inícios e orelhas (tenho mestrado e doutorado em ler orelhas de livros), puxando assunto com outros leitores, principalmente mais velhos, que me alimentavam de indicações. Era maravilhoso. Naturalmente, todo esse percurso mudou; algumas livrarias fecharam, outras trocaram de lugar; mas, sem dúvida, a reabertura de um espaço como a Da Vinci é motivo de comemoração. Todo escritor é, antes de tudo, um rato de livraria, um leitor obsessivo e incansável, aquele sujeito que você pode largar de manhã entre as gôndolas e só buscar à noite que ele nem terá reparado no passar das horas. A trajetória de um escritor não é alimentada apenas pelos livros que ele leu, mas pelas livrarias que ele frequentou.
Tenho uma relação especial e distinta com cada livraria da cidade. Cresci frequentando o clube de leitura do sebo Baratos da Ribeiro, agora em Botafogo, onde fiz muitos amigos, trabalhei minha escrita e comprei muitos livros da “Ellery Queen’s mystery magazine” e da “Colecção vampiro”, graças ao Maurício Gouveia, dono do sebo e entusiasta da minha paixão por literatura policial. Lancei meu primeiro romance na Saraiva do Shopping Rio Sul, em uma noite de autógrafos que se estendeu até meia-noite, e todos os funcionários continuaram por lá, além da hora de trabalho, um tanto irritados, claro, mas entendendo que aquele era um momento único para um moleque de 20 anos. Desde então, tenho carinho especial por esse espaço e pelos livreiros de lá.
Livreiros são amigos que nós, leitores, fazemos ao longo dos anos. Ainda hoje, gasto horas na livraria Travessa do Leblon, batendo papo e ouvindo indicações do Luiz Guilherme de Beaurepaire ou na livraria Travessa de Ipanema, trocando ideias com o Antônio Berto. São sujeitos que vale a pena conhecer, verdadeiros monumentos das livrarias, apaixonados por livros acima de tudo, garantia de boa conversa no fim de tarde de um sábado ou domingo. Pelas livrarias da cidade, fiz muitos amigos e me apaixonei três ou quatro vezes. Nada pode ser mais aconchegante do que isso.
Ano passado, enquanto participava de eventos pelo país, uma das questões mais frequentes era se a chegada do livro digital acabaria ou reduziria drasticamente a venda de livros físicos e, por consequência, reduziria a existência de livrarias. Não tenho dúvidas de que empresas como Amazon e Submarino cumprem um papel essencial no mercado literário: além de trabalharem com preços baixos, essas empresas facilitam o acesso para leitores de diversas partes do país, principalmente de cidades pequenas onde nem existem livrarias. Ao mesmo tempo, tenho certeza de que as livrarias irão sobreviver como pontos de encontro, como espaços culturais efervescentes, com clubes de leitura e encontros casuais. O prazer de descobrir um livro (ou ser descoberto por ele), de ler páginas aleatórias de livros aleatórios, de trocar conhecimentos com desconhecidos ou com livreiros repletos de novidades, nada disso vai acabar. As livrarias estão mais vivas do que nunca.
Neil Gaiman já disse que “uma cidade não é uma cidade sem uma livraria. Podem até chamá-la de cidade, mas se não tiver uma livraria, estarão apenas enganando suas almas”. O mestre não poderia estar mais certo. Por isso, nos próximos dias, não deixe de visitar sua livraria mais próxima ou quem sabe voltar àquela que você não frequenta há anos e, claro, compre alguns livros e descubra muitos outros. A existência de livrarias só depende de nós, leitores com alma.
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